Perto. Longe.

1. No aeroporto

Ele mal podia acreditar no que estava prestes a acontecer. Emoções pulavam em seu estômago. O avião dela já havia pousado e logo estariam juntos. Para disfarçar a ansiedade de si mesmo, começou a ler um capítulo qualquer de um livro que havia trazido consigo. Pulou pra outra página. Fechou. Abriu em outra parte. Lia apressado, a cabeça voava, pousava e se confundia. Não queria saber de nada daquilo. Olhou para o painel digital do aeroporto. 03h42. Passa, tempo.

Os passageiros começaram a sair aos poucos. Nada. Logo surgiu um fluxo. Casacos pretos. Malas. Bagagens. Crianças. Senhoras. Camisas de manga comprida. Cubas de isopor. Direita, esquerda. Passos apressados, lentos. Sotaques. Cansaço. Sono. Depois do caos, a ordem. Ela apareceu. Andava calmamente, olhando para um ponto qualquer no horizonte. Não se precipitou, mas num segundo aquela ansiedade toda veio até a boca. Ele, sem mais poder, sorriu e aquela sensação evaporou. Certamente viajou até algum outro aeroporto do mundo. Pronto, estava livre. Passou as mãos entre os cabelos. Estavam um pouco oleosos. Enfiou as mãos nos bolsos da calça até que encontrou um lençol de papel úmido e amassado. Trouxe até a testa, esfregou e deslizou pelo nariz. Enfiou o lenço no bolso direito. Estava pronto. Os olhos se cruzaram. Como imã e ferro. Naturalmente. A distância que os havia separado por tanto tempo, agora eram apenas de alguns metros. O encontro. Os passageiros iam se dispersando, encontrando suas famílias, procurando as cafeterias, os táxis...

O abraço veio.

— Cara, que saudade de sentir teu corpo.

— Ah, seu safado, para! Bora que eu tô com fome...

O abraço foi curto. Tão curto que talvez sua memória não fosse capaz de memorizá-lo.

— Sério! Eu tava com muita saudade! E esse teu cheirinho? – Ele avançou, beijando-a no pescoço.

— O que que tem meu cheiro?! – Ela perguntou com um tom de voz meio debochado meio seco.

2. No carro

Por um breve momento, ele pensou em pedir para sincronizar o celular com o aparelho de som do carro do Uber. Várias músicas vieram a sua cabeça. Mistério do Planeta? Coração Selvagem? Love in Outter Space? Não, essa última ela achava chata. Motörhead, então? Não, muito barulho. Ah, “Tim Maia em Inglês!” Poderia ser o álbum inteiro, mas aquela... Qual o nome daquela, mesmo? Começava assim: Let... Me... Whisper in your ears... Teclado entra em dó menor, bateria começa a marcar o tempo. Aquela boa e velha balada romântica. E aqueles metais explodindo de vida no final? Putz, essa era linda. Mas, se aquele momento havia de ser registrado, deveria ser do jeito que era... Conteve-se. Fechou o Spotify. Na rádio tocava alguma música do Wesley Safadão. Então, o silêncio se rompeu.

— Eu gosto muito dessa música, sabia? Acho foda o jeito que ele canta! A batera dessa música também é show de bola – ele disse.

— Cara, eu ouvi muito essa música lá! Muito foda mesmo! Teve até um dia que a gente saiu pra dançar... Eu e duas amigas. Fomos numa quartaneja que rola lá, muito louca, por sinal!

O motorista do Uber não disse nada, só aumentou o volume do som. “Não, não. Pode abaixar, por favor”, ele disse. O silêncio da madrugada se fundiu com o frio. Os olhos dele estavam despertos, a consciência ativa, mas longe... O sono estava lá, presente, mas abafado... A música do Tim Maia continuou a tocar na sua cabeça: “Things you wanna hear... Let me love you...”. Ela riu do nada. Daquele jeito como quem se lembra de uma antiga piada.

3. No apartamento

— Pronto, chegamos!

Ele ligou as luzes. O cheiro de produtos de limpeza ainda pairava na sala. A vela já havia se apagado. Ela entrou em seguida. Jogou a mochila e o casaco em cima do sofá. Ele foi até a cozinha. “Já volto”. Então, ela se jogou numa poltrona e ficou olhando para o teto. Depois olhou em volta rapidamente. A poltrona era confortável e os travesseiros estavam cheirosos. A cor das paredes eram verde e marrom em várias tonalidades. Viu alguns livros em cima de uma estante, mas não se interessou em ler seus títulos. A vista estava cansada. Observou com um pouco mais de atenção os quadros que estavam pendurados na parede à frente do sofá. Em um deles havia um garotinho correndo por um campo. Aquela imagem lhe fez se lembrar de um garoto que havia visto naquela manhã. Parecia uma lembrança tão distante. O silêncio da madrugada já havia se instalado. Todos da vizinhança já deviam estar dormindo. Engraçado, era uma quarta feira comum para a maioria das pessoas. Barulhos de louça vieram da cozinha. Qualquer movimento era perceptível. Tirou várias coisas do bolso e passou a colocá-las em cima da mesinha central: chaves, caneta, papéis, colírio, chiclete. Ele voltou com um copo de água.

— Olha...

— Nossa, brigada! Vem cá! Senta aqui comigo!

— Não tem espaço. Vamos, vem pra cá pra esse sofá – ele a puxou pelos braços.

— Ai, calma, já tô indo... – Ela tomou a água num só gole.

Quando se levantaram, ela o abraçou.

— Obrigada, viu?

O silêncio impregnou na sala. Ela o soltou e colocou o copo em cima da mesinha.

— Ah, tem tanta coisa pra te falar... – Ela pegou a mochila e o casaco do sofá e os jogou na poltrona – Só que eu tô tão cansada, sabe? Odeio viajar de avião. – Sentou-se no canto direito do sofá e continuou a falar, procurando as palavras... – Tinha uma mulher... Sentada ao meu lado que... Passou a viagem inteira fazendo uns barulhos meio estranhos... Sei lá... Fiquei um tempão ainda no aeroporto... Tudo parado... Teve confusão... – Ele sentou ao lado dela. Ela o abraçou. Firme. Seguro. Presente. Fechou os olhos. Ele a olhou. Ela abriu os olhos lentamente e quase sussurrando, disse:

— Vamos assistir um pouco de tevê?

Tom R
Enviado por Tom R em 04/10/2017
Reeditado em 11/11/2019
Código do texto: T6132937
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.