A casa de meu pai

A casa de papai tornou-se um abrigo.

Pequeno “campo de refugiados” de toda sorte.

Um primo seduzido pela marginalidade, os vizinho que dormiam ao relento, o casal de idosos desamparados por sua prole, a tia em busca de novas oportunidades. Amigos e familiares que precisavam de qualquer tipo de proteção.

Não era uma casa grande, entretanto acomodava quantos chegassem.

Papai era um homem severo. Acostumado desde a infância com as durezas e injustiças da vida. Honesto até o ponto de converter-se em único. Rígido com as palavras.

Dava medo vê-lo e ouvi-lo nos momentos em que expressava rigor.

Incapaz, porém de dizer não ante um pedido de socorro. Um homem que se sensibilizava com a dor alheia, partilhava o pouco que possuía e jamais era indiferente diante de um pedido de amparo. Papai era assim.

Não viveu muitos anos ao lado de mamãe.

Teve a sorte de ter ao seu lado uma companheira que junto a ele manteve a porta da casa aberta e recebeu cada um que chegou.

Quando morreu, jovem ainda para quem tinha tanto respeito pela vida, deixou como herança a casa, inacabada, mas leal à sua missão de acolher quem precisasse.

E assim vieram os filhos e netos, pois já eram outros tempos.

Eu estava lá quando todos chegaram.

Presenciei papai e mamãe fazerem daquela casa a fortaleza de muitos.

Até que chegou minha vez.

Sobrevivente de um conto de amor mal correspondido, atordoada pela dinâmica da vida que não para nem quando precisamos curar nossas feridas, levando na bagagem os filhos, histórias infelizes e alguns sonhos persistentes, cheguei.

Voltar nem sempre é fácil.

É menos doloroso regressar para a casa de papai.

Lucia Rodrigues
Enviado por Lucia Rodrigues em 24/06/2017
Reeditado em 28/06/2017
Código do texto: T6035911
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