Meu Amigo Shelton / Prazer e suicídio

Meu Amigo Shelton

Prazer e Suicídio.

Existem algumas coisas que acontecem na nossa vida que; pela maneira às vezes inevitável e espontânea como elas surgem, o melhor mesmo é se adaptar as novas situações. De preferência sem mágoas ou grandes culpas. Foi assim comigo quando conheci meu amigo controverso Shelton, e quando a minha amada e companheira entrou neste suspeito relacionamento.

Fui apresentado ao Shelton por um amigo em comum aqui mesmo no Cavern Club (Um Pub aos moldes londrino). Ele, o Shelton, magro (fino e elegante), tinha lá seu charme particular. Sempre de fragrância leve e suave. Todo de branco - nunca o vi diferente. Passou a entrar em nossa casa trazido por amigos. A princípio esporadicamente, depois, com maior freqüência, lá estava ele na minha sala, no meu escritório e quando eu vi já estava na mesa da cozinha e até mesmo no quarto. Eu já falava dele para alguns amigos mais íntimos, empolgadamente; e quase sempre ele me acompanhava no meu costumeiro whisky, e até nos vinhos a noite. Passou a estar comigo nas festas e bares locais. Chegou mesmo a está comigo e minha companheira em festas familiares; como aniversários e reuniões em casa de parentes. Quem nos conhecia estranhava sua presença cada vez mais explícita. Mas, eu tinha sempre uma resposta, uma desculpa para a presença do shelto, até então apenas na minha vida.

Depois de algumas semanas de convivência bem achegada onde o Shelton estava sempre comigo; no trabalho ou nos meus momentos de relax e lazer; como ler e ouvir música; comecei a perceber um comportamento um tanto diferente na minha parceira. Ela que já havia em muitas ocasiões censurado o exagero dessa parceria minha com o Shelton; começou a se interessar mais por ele. Já perguntava sobre como eu me senti com ele, sua influência na minha vida e principalmente sobre o que outras pessoas achavam ou falavam a respeito.

Passado alguns dias, notei minha companheira meio estranha, distante, diferente mesmo. Saia com mais freqüência a pequenos passeios nada demorados e voltava sempre com um ar de felicidade estampado no rosto. Vez por outra saia à noitinha e fazia questão que eu não a acompanhasse, alegando que era só uma volta no quarteirão e que não demoraria a voltar. Fiquei mais atento, e, para minha surpresa (mas no íntimo eu já previa isso), percebi que ela não só voltava mais alegre e espontânea, estava também impregnada do perfume e aroma do Shelton. Seu cabelo, sua roupa, as mãos e até seu hálito era o bom e velho Sheilton que mais do que nunca estava cada vez mais presente. E ao que tudo indicava, agora também na vida dela.

Não mencionei minhas desconfianças. Esperava que fosse coisa passageira, uma empolgação feminina. Torci para que fosse apenas uma daquelas fazes de curiosidade pelas quais todos nós passamos um dia. Mas qual nada. De certa feita cheguei em casa um pouco mais tarde e me deparei com uma cena que apesar de ser eu o maior culpado, não queria que acontecesse. Ao abrir a porta e acender a luz da sala vi na mesinha de centro minha garrafa de Jonny Walker (meu preferido) pela metade. No cinzeiro, várias bitucas, ou as chamadas guimbas de cigarro. Havia queijo em fatias, azeitonas e o talo de um incenso já queimado no incensário. Fui devagar ao aparelho de som e lá estava meu vinil preferido de Bossa Nova (Tom & Elis). Minha cabeça já girava a mil por segundo. Caminhei hesitante e devagar até o banheiro. O cheiro do Shelton se misturava ao perfume de minha mulher. Estava impregnado da sala até o banheiro passando pelo corredor. Ao entrar no banheiro percebi que a toalha ainda estava úmida e o sabonete recém usado. Não esperei mais. Dirigi-me em passadas firmes e fortes ao nosso quarto de dormir. Abri a porta de vez e a luz que vinha do corredor iluminou a penumbra aconchegante de nosso aposento mais íntimo. Lá estava ela. Meiga; lânguida, semi nua. Linda. Mas, lá estava ele também. O branquelo fino e agora (na minha visão) mal cheiroso Shelton. Ela adormecera com a mão sobre ele.

Devagar lhe tirei a mão de sobre o Shelton, e vi que ela havia fumado muitos dos meus cigarros favoritos, (Shelton).

OBS. Este conto não é e não deve ser entendido como uma apologia ao uso do cigarro. Reconheço isso no próprio título.

(Farias Israel-jan/2005-PE

Farias Israel
Enviado por Farias Israel em 17/06/2017
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