A carência

Ela estava sempre lá, segurando a minha mão. Tornou-se minha, sem que eu me desse conta. Foi me enredando com suas teias, enquanto eu via meus dias passarem pela minha janela pessoal. Foi ela que me fez sentir tanta decepção quando meu primeiro vaso de expectativas caiu e se quebrou. Foi ela também que me levou a cometer os atos mais insanos em nome de uma pseudo-necessidade do outro. Ela chegou ao ponto de embaçar-me as vistas, atrapalhando a minha análise de pessoas, atitudes e intenções. Ela me fez sentir humilhado quando dormi em chãos mais frios que alguns corações, mostrando-me o lado feio do ser humano e me levando a lugares nunca antes “navegados”, aos quais eu fui e jamais quero voltar. Por causa dela, eu vi a inocência indo embora, junto com a alegria e a doçura. E ela ainda me levou a “casas mal-assombradas” por espíritos de “mortos-vivos”. Acho que nunca vou esquecer que foi por causa dela que eu permiti que me omitissem coisas importantes e que me maltratassem, criando em mim profundos traumas e complexos. Mais que uma vilã de novela, ela era sutil, mas sonsa e monstruosa. E infelizmente eu não estava sozinho nessa situação. Conheci outros como eu, hipnotizados por ela por terem um vazio existencial enraizado dentro de si. A sorte é que o relógio me ajudou a entender essas coisas. E durante aquela sessão de terapia, eu dizia tudo isso a minha psicóloga, que me olhava com uma expressão de interrogação. Eu ia descrevendo o que havia passado em outras épocas e percebi que ela sorriu um sorriso afável e compreensível, enquanto lágrimas caíam dos meus olhos. Notei que ela ficou feliz com o meu progresso, então ela me pediu que eu terminasse a minha leitura interior. Aí eu lhe contei que a minha libertação foi quando pude perceber a presença da tal criatura na minha vida e que aquilo havia me dado outra perspectiva sobre todos os acontecimentos ruins pelos quais havia passado. A responsabilidade passou a ser minha; não havendo culpados para o meu sofrimento. Um sentimento de autossuficiência havia substituído aquela velha sensação de falta. E acrescentei que naquele momento eu me sentia como se estivesse saindo de uma prisão e vendo o sol depois de anos de clausura. Enxugando as lágrimas, eu pude ouvir a psicóloga me felicitando por ter despertado. E, depois de muito tempo, sentindo um grande alívio no peito, eu sorri.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 16/06/2017
Reeditado em 19/06/2017
Código do texto: T6029004
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