Dia diferente

Tudo calmo como todos os outros dias anteriores. Nada de novo acontecia, nenhum movimento ou som, tudo se repetia. Todas às vezes que eu dizia isso, vinha em minha mente a lembrança jovem da minha mãe, ela nunca concordou que um dia era igual ao outro e que as coisas se repetiam. Ao fechar os olhos, podia ouvir a voz dela dizendo, " as coisas podem ser diferentes se você as fizer diferente." É lamentável pensar que eu não fui capaz de levar a serio ao menos metade das coisas que ela dizia ou tentara me dizer, mas agora sinto não ser mais capaz de recomeçar ou conquistar as coisas que ficaram para trás.

Saindo do consultório, vi logo em frente a uma banca de revistas, um senhor parado, tinha estatura media, usava óculos escuros e segurava um papel na mão esquerda, enquanto a outra levava o cigarro até a boca. Com o passar do tempo, comecei a perceber que ele fazia isso todos os dias, vestia sempre a mesma roupa e repetia tudo do mesmo jeito.

Comecei a observar aquele homem misterioso, não conseguia me mover sem tirar os olhos dele, aquela afeição era muito estranha e ao mesmo tempo interessante, seu movimento alternava lentamente em olhar o papel da esquerda e tragar o cigarro a direita, tudo isso com muita tranqüilidade e com uma elegância invejável.

Minha concentração era tão grande, que não fui capaz de perceber quando dei alguns passos à esquerda do consultório e sentei em um banco velho e enferrujado. O homem saiu de sua inércia, o cigarro foi apagado, o papel dobrado e posto com cuidado no bolso traseiro de sua calça rasgada e suja; o velho senhor olhou para todos os lados possíveis da rua e como um passo de mágica estava cruzando a próxima esquina. Assustei ao ver que duas horas já haviam se passado desde que deixei a clinica.

Sem tempo, sem limites ou pudor meus olhos fixaram de uma forma penetrante e invasora em um homem totalmente desconhecido e totalmente interessante pelo seu ar misterioso e gestos delicados. Comecei a caminhar, sentia meus pensamentos presos em minha mente tentando encontrar um sentido lógico para aquela cena, tentando encontrar um motivo, um único motivo para meu repentino interesse por aquele senhor.

O barulho da cidade que tanto me incomodava todos os dias, parecia não existir, as cores fortes dos out doors não chamavam minha atenção naquele momento, por fim deparei-me com a entrada do prédio onde morava, o mesmo porteiro com aquela roupa ofuscada, sem cor, sem vida, o mesmo elevador, o mesmo andar e enfim o mesmo apartamento.

Fiquei um tempo deitada no sofá e com a luz da televisão entrando por meus olhos, invadindo as ondas dos meus pensamentos. Em um movimento involuntário meus olhos iam

aos poucos se fechando e meu corpo encontrava-se em um estado de sonolência que se tornou muito agradável.

Mais um dia havia se passado e novamente a imagem da minha mãe aparecia em meus pensamentos, fechei os olhos e escutei perfeitamente sua voz, sentindo o sabor das palavras, o cheiro suave de seus cabelos. Levantei daquele sofá frio e solitário, dei alguns passos pela casa tentando achar uma maneira de me esconder ou até mesmo de fugir, mas para onde? De quem? Não há respostas, não ha porquês e com esse pensamento alcancei a rua e como um boi segue para o matadouro em busca de sua morte, fui caminhando em direção ao trabalho.

Mais um dia iria começar, tudo iria se repetir, a não ser pelo fato que na saída da clinica o velho senhor não estava lá, ele não apareceu como de costume. Fiquei ali sentada naquele banco à espera do senhor elegante e misterioso, mas ele não estava lá. E novamente meus pensamentos se voltaram a minha mãe; “as coisas podem ser diferentes se você as fizer diferente." A única coisa que sei é que aquele velho senhor havia feito diferente naquele dia.

Poliana Cristina
Enviado por Poliana Cristina em 11/05/2017
Código do texto: T5995911
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.