Beija-Flor
Olho pela janela do meu quarto. O sol já anunciara o novo dia há algum tempo, mas meu bom-dia hoje veio só depois das dez. A luz inunda meu quarto, aquece minha pele arrepiada - já que agora o cobertor ficou apenas com a companhia do palhacinho. Meus olhos preguiçosos demoram para acostumar com a claridade, ficando semiabertos por algum tempo. Penso em você. Faço as contas mentalmente e descubro que provavelmente você já acordou. Fico a imaginar você abrindo os olhos, esticando-se na cama com a beleza de um verdadeiro gato.
Um movimento me chama atenção. Batendo vertiginosamente suas assas, um beija-flor. Um minúsculo ser, de cor esverdeada vem dar às flores seu bom-dia. Um beijo delicado é trocado entre eles. Senta-se num ramo. Há troca de olhares entre os amantes e palavras ditas no silêncio o levam a alçar voo. Delicado, sutil, pomposo o beija-flor volta ao seu cortejo com a hexória do meu jardim. A flor parece exercer uma atração sobrenatural ao beija-flor. Dançando ao entorno dela, dando voltas e mais voltas no ar, ele sempre retorna para mais um doce beijo.
A flor, sempre estática, parece ficar à espera do beija-flor. Talvez, enquanto espera, ela se arrume com cuidado, trabalhando meticulosamente nas suas pétalas, em busca de algo que atraia o beija-flor de volta. Talvez ela tenha a certeza de que, por mais longe que ele voar, ele sempre irá voltar em busca de um dos seus beijos doces.
Sei que o mundo é mais real que as palavras ditas. Sei que o beija-flor só busca a flor para se alimentar de seu néctar – a biologia me ensinou isso. Mas qual seria a magia do mundo se não imaginássemos histórias fantásticas sobre as coisas que nos cercam? Nossas crianças têm tal dom e veem um mundo mais bonito por isso. Talvez os problemas ficassem mais simples se mudássemos nosso jeito de olhar. Observar o beijo entre a flor e o beija-flor parece ser um bom modo de começar.