NOTAS INVÁLIDAS - UM CONTO PULP

Droga.

Deixei meu copo cair no chão.

Alguém me logrou dizendo que esse vinho era bom. Ele só é meio bom. Maldito seja, estão por todos os lados, tentando me passar a perna. Sabem que eu não as uso, se passarem, eu caio com certeza. Mas levo pelo menos dois comigo. Disso também tenho certeza.

Inválido.

Se deve existir coisa pior que um inválido são as notas dele. Fora isso tudo anda bem. A cidade ainda parece ser a mesma cidade de dez anos atrás ou do tempo que eu era moleque. Bolas. Todo mundo sabe a merda que tudo virou e mesmo assim continuam dizendo que tudo melhorou; só há uma explicação pra isso: todos nós adoramos vala e merda! Todos nós!

Os asfaltos antes me ajudavam bastante. Não tinha tantas pedras, então não me preocupava quase nada com as rodas da cadeia (cadeira de rodas pro burro que não entendeu), e isso me dava algum alívio, isto é, me poupava algum dinheiro. O pouco que tinha. Pensão é uma droga. Ainda assim eu andava com a mesma liberdade de sempre, como se nunca tivesse sofrido acidente algum. O que me tirou os movimentos das benditas. Mais ainda assim digo. Droga, Pensão é foda.

Não tenho do que reclamar sobre o resto. Bem, vocês sabem, o resto é resto. E mulheres, bem, mulheres ainda vejo algumas. Isso são meus melhores pratos: mulheres, bebidas e dinheiro. Tenham em mente um destes pra me trazer caso venham me visitar se não só Deus sabe o que pode acontecer com vocês. A última delas foi Ana Carolina.

Era bonita sem dúvida. Mas ainda seria uma vaca se não tivesse me encontrado, e eu ainda seria um velho oco, sem nada de vícios, desejos e prazeres, só vegetando mais e mais nessa maldita cadeira, mijando e cagando em mim toda a droga de dia. E daí que era uma prostituta? E daí que era o que era? Me apaixonei ainda assim, e ela, fazia por que gostava. Foi mais esperta que eu. Conseguiu achar algo que gostava e tirar dinheiro com ele. Bastante dinheiro. Não estou falando de merrecas como a que ganhava na empresa metalúrgica que trabalhava, nem dessa pensão de merda que pego todo mês, estou falando de seis horas por dia, fechando a semana em novecentos e cinquenta reais. Isso eu ganhava, claro, em um mês.

Quando liguei no prostíbulo (sim tenho um telefone de um), Valdete atendeu.

“Ora, ora. Hugo. Faz um tempão que não liga hein...”

“Pois é. Acho que uns meses.”

“Sim. Uns quatro contei eu. Como tem se mantido, seu velho safado, sei que não pode ser sozinho...”

“Deixa de besteiras Valdete. O que tem ai pra mim?”

“Ana Carolina. Foi só o que me sobrou hoje.”

“E como ela é?”

“Confie em mim, ela vale o que diz. Já estou mandando ela. Seu velho maldito, tenho pena de você.”

“Cala a Boca Valdete!”

“Ta bom, ta bom. O táxi dela fica por sua conta também.”

Desligou.

Devia ter xingado essa perua. Sempre atrevida. Esse é o lado ruim de fazer negócios com as mulheres de vida fácil, principalmente as empresárias desse ramo. A liberdade que pensam que possuem depois pode ser a desgraça alheia.

E ainda falou que Bukowski iria rir de mim. Maldita velha, além de se achar a gostosa, também se acha à culta. Bukowski com certeza me aplaudiria, depois de me olhar com nojo, se juntando a mim no final. E quando acabasse o vinho, o livro e Ana Carolina tivesse ido embora, uma bela cerveja que sempre escondo de baixo do sofá resolveria meu problema.

A noite e tudo.

O taxi chegou.

Confesso que achei que seria um engano. Ela era muito mais bela que suas outras amigas. Sei disso por que já fiz todas virem até aqui em casa. Era uma beleza e formosura que não fazia jus ao que fazia, por outro lado elogiei Valdete, se estava conseguindo até mercadorias desta espécie, seu ramo estava indo muito bem. Era muito gostosa de corpo também. Devia ter uns vinte e dois anos. Sabia fazer uma cara de inocente, como se não estivesse acostumada ao que fazia. Conversa fiada.

“Me disseram que o Táxi fica por sua conta.”

“Sim, vai entrando que eu já vou. Tem bebida em cima da mesa.”

Paguei o taxi e entrei.

Ela já estava bebendo a segunda garrafa de vinho. Não demorou mais de dois minutos pra que acabasse essa também. Olhei pra ela e perguntei se ela estava com muita sede, ela bebendo e balançando a cabeça dizia que sim. Mais nada perguntei. Como conhecia sua patroa e a política imunda de pague primeiro, veja depois, já tirei o seu dinheiro e o joguei em cima da mesa. Ela me olhou e disse:

“É pouco. Aí só tem metade.”

“Como é sua piranha. Mal chegou aqui e já quer me roubar também?”

Antes de continuar, o que acabaria eu atirando uma garrafa na cabeça dela, ela ficou totalmente pelada na minha frente. O que me hipnotizou.

“Metade agora e metade depois”

“Ta bom”

Como posso dizer? Pra alguém no meu estado a sensação já é uma coisa que nasce contra você. Ela te trai a toda e qualquer hora, deixando claro que não é você que manda no pedaço. Claro, isso acontece com a maioria dos homens, mas nãoi as mesmas imundícies. Mas sim, foi a melhor trepada que já dei em toda a minha vida de merda. Ali mesmo me apaixonei e tive certeza que ela era a mulher mais bonita da cidade. Fez o seu serviço como ninguém.

No final dei a outra metade que devia e a convidei pra vir aqui novamente. Ela assentiu com a cabeça e falou:

“Parece até que se apaixonou.”

“Foi isso mesmo. Quero te ver de novo.”

“Ce tá de brincadeira? Ta dizendo que gostou de mim mesmo?”

“É isso ai. Qual o problema?”

“Acho que nenhum. Só é um pouco estranho...”

“Deixa de bobeira. Se largar essa vida pode vir morar comigo”

Ela começou a rir.

E era pra rir mesmo. Estava lá como um idiota, depois de uma transa profissional, esperando que ela aceitasse que eu a transformasse em mulher honesta. E como se faz isso? E com que dinheiro? E onde? Nunca tinha visto uma mulher honesta. As que não dão por dinheiro são as mais venenosas. Não tinha nenhum dinheiro guardado. Nem casa boa. Nem carro. Nem parente. Nem pernas. Puta que pariu! Eu tava na merda!

Eu a vi ainda mais umas três vezes em dois meses. Na quarta vez ela disse:

“E sobre aquilo de me tirar dessa vida?”

“O que é que tem?”

“Quero saber se ainda está de pé?”

“Pra você sempre.”

“Quero ver então”

“Não acredita em mim? Me diga quando vai sair e eu te busco pra uma viagem.”

“Você tem dinheiro?”

“Tenho”

“E carro?”

“Não.”

“Por que não?”

“Sou aleijado porra!”

“Ah tah é mesmo.”

“Quando você vem?”

“Amanhã a noite. Deixa tudo preparado pra irmos até Campos de Jordão.”

“Ta mais por que Campos?”

“Adoro o frio”

“Ta bom. Amanhã então.”

Me despedi dela e peguei uma cerveja debaixo da poltrona. Só tinha mais uma. Daí então percebi como que iria fazer tudo aquilo que prometi sem um único puto no bolso. Droga, eu estava numa encruzilhada de novo, lascado e não havia nenhum filho da puta que me viesse a cabeça pra eu pedir ajuda. Mato sem cachorro, sem dinheiro e daqui a pouco sem bebida também. Pensão é foda!

No dia esperado, Ana demorou a aparecer. Me preocupei com o fato dela ter tentado me enganar, precisava beber alguma coisa, mas como ela não tinha dito nenhum horário fiquei preocupado apenas pela metade. Já era um homem pela metade mesmo. Oito horas, Nove horas, Dez horas e nada. Porra alguma coisa tinha acontecido, ia ligar pro prostíbulo de novo, se acontecer alguma coisa inesperada, vou apenas dizer que queria mais um programa, como sempre e pronto. Sim isso vai ser suficiente.

Liguei. Valdete atendeu.

“Ligando um pouco tarde não é Hugo, seu velho punheteiro inválido. O que vai ser?”

“Ana Carolina, como sempre”

“Essa não vai dar”

“Por que não?”

“Não dá”

“Outro programa?”

“Não, não é isso, é outra coisa.”

“então o que porra?”

“A vaca fugiu roubando todo meu dinheiro do mês. Mais de catorze mil reais.”

“Que? Como aconteceu isso?”

“Há alguns dias ela vinha fazendo programa com um cara e ela vinha jogando merda na cabeça dele. Sabe como é, prostituta é aquilo tudo, mais também é burra que só. Então ela começou a aparecer mais vezes e mais vezes seguidas, até ela me pediu uma folga, coisa que não fazia nunca, as outras garotas dizem que ele encontrou com ela mais duas vezes e quando subi hoje pro meu quarto a vaca me acertou na cabeça e fugiu com meu dinheiro. É isso.”

Fiquei estranho por algum tempo. Será que era isso que ela iria fazer antes de ir embora? Estaria correndo perigo se ela viesse aqui em casa. Não tinha arrumado nada pra fuga e sabia muito bem o que Valdete fazia nessas horas, ela pendurava a rapariga pelo grelho num ganho como num açougue e ai dela se gritasse de dor.

“E sabe quem foi o cara?”

Perguntei com medo dela dizer alguma coisa a meu respeito. Vai saber.

“Sim, as outras viram. Parece que é um mineiro que trabalha com um caminhão por aqui.”

“O que?”

“É isso mesmo. Há anos essa rapariga vem tentando me dar um golpe. Primeiro ela apaixona o cara com seu corpinho e jeito sexy, depois ela seduz ele a querer armar um plano contra mim, e por último ela foge com outro cara enganando e pegando o dinheiro dos dois. É uma tremenda depenadora de otários.”

Desliguei o telefone na hora.

No mesmo instante procurei a minha carteira. Me meti numa roubada daquelas. Só o que me faltava era ela ter me roubado a pouca merreca que tinha. Achei. Foi isso mesmo. Carteira vazia, sem documentos, sem cartão, sem nada. Foi isso que valeu aquela transa, as noites que tivemos. Achei eu que iria finalmente dar a volta e ferrar com os negócios daquela velha da Valdete, e no final vem me uma mocinha, só de cara lógico, e passa a perna em nos dois. O pior é que eu me lasquei mais de novo. Droga, tudo estava contra mim nesse lugar, até mesmo minhas pernas que não levantam na hora que precisava... iria me mijar e cagar aquela noite, disso não tinha dúvidas. Poderia chamar alguém, mas o telefone estava muito longe.

No fim das contas acabou tudo como começou. Com este velho cadáver insistente ousando dar uma de apaixonado pra cima de uma prostituta. Mulheres, bebida e dinheiro, como disse, é só nisso que me envolvo; dessa vez uma só mulher me deixou sem dinheiro e sem bebida. Nem tudo seguia na ordem que eu queria, era verdade. Enquanto isso, a cidade ainda estava na mesma, pensando que tinha uma cara de 18 anos, arriscando desfilar com um maio que mostrava as pelancas da bunda e do começo das costas, igualzinho às outras velhas sessentonas. Cidade de merda.

Deison Rafael
Enviado por Deison Rafael em 28/04/2017
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