Ela liga depois?
           
            __ Se eu contar ninguém vai acreditar. Há fatos reais que são alocados na prateleira dos surreais. O absurdo das coisas, não estão nelas mesmas, mas no tempo que acontece. Pode acreditar.
            __ Ok, ok. Mas se você não desenhar pra mim, de nada vai adiantar Sonivaldo. Seu amigo aqui de nada entendeu. Recupera o fôlego, tira esse suor da testa e explique-se. Eu Antenor seu amigo, sou só ouvidos.
            O fato é mais ou menos assim: Sonivaldo na terça-feira saiu para trabalhar normalmente. As chuvas haviam estiado, o sol estava como é próprio da região, fritando a moleira, mas naquela manhã estava mais quente. Talvez seria pelos longos dias de chuvas intermitentes. Estaríamos desacostumados com o sol a sol da nossa região?
            Sonivaldo seguiu na sua manhã de trabalho. Cortando a cidade num zig zag como todos os dias. Neste dia a roupa está mais quente que o habitual, o suor corria as bicas, o serviço não estava rendendo. Pá-daqui pá-de-lá, o celular toca, uma, duas, três….
Sonivaldo estacionou a moto e a desligou, tirou o capacete, levou a mão ao bolso e, pá! O celular parou de tocar. Rosna com sigo mesmo: putakipariu!
            Olhou quem ligou. Era a “sogrinha” querida. Já que estava parado, retornou a ligação.
            __Oi! É você meu genro?
            Reconheci na hora aquela voz sedosa, todavia, arrastada da “sogrinha” querida. E assim ela começou a se explicar porque ligou.
            __ Meu filho! O Netinho (Netinho é um rapaz de 1, 90 m de altura) encontrou dois mosquitos da dengue aqui em casa. Você poderia pedir para o pessoal do combate da dengue vir aqui?
            Respondi de bate-pronto:
        __ Minha sogra! É só ligar na zoonose, eles vão agendar uma vistoria para a senhora.
            Bem antes de um pestanejar, a “Sogrinha” querida rebateu de primeira, como num chute, de “bate-pronto”: _ Mas você pode ligar, não pode?
            Sonivaldo respondeu, entrementes, pisou na bola, dominou a gorduchinha, e devolve-a lisinha para a mãe do seu amor.
            __ Sim senhora, claro que posso! Mas farei a ligação após as 13 horas da tarde, estou ocupado no meu trabalho agora. Tudo bem?
            Ela concordou e despediu com um beijo. O genro agradeceu e desejou-lhe outro.
            Sonivaldo pensou quase rindo: como as coisas são engraçadas entre as pessoas! Se eu dissesse primeiro que não poderia, ela pensaria: meu genro está de má vontade, preguiçoso, ou, se dissesse que só depois, a sogra pensaria: ele está protelando, me empurrando com a barriga, esse safado almoça direto aqui em casa, agora não pode fazer uma ligaçãozinha, traste!
            Terminado o trabalho, Sonivaldo voltou para casa e encontrou sua esposa ao lado do fogão, arrepiou-a com um cheiro no cangote e saiu em busca do telefone.
            Discou para a zoonose e aguardou. Chamou tantas vezes que o aparelho esquentou. O telefone realmente esquentou. Sonivaldo é brincalhão, mas não é mentiroso. Desistiu da ligação.
            Sonivaldo foi até a cozinha bebeu água gelada, virou o copo rapidão, numa talagada só. Olhou meio ressabiado para um pedaço de bolo. Levantou a mão a cabeça e a coçou com a unha do dedo mínimo.
            Retornou ao telefone, discou novamente e aguardou ser atendido. “Deus-seja-louvado”, alguém respondeu do outro lado da linha:
           __ Boa tarde, meu nome é Yokisalva, em que posso ajudar?
            __ Moça, é o seguinte: na casa da minha sogra, foram encontrados dois mosquitos da dengue, gostaria que o setor responsável que combate o mosquito, agendasse uma vistoria lá. É possível?
            __ Senhor,  vocês já fizeram uma vistoria na casa? Olharam se há poça d'água, olharam a caixa d'água, os vasinhos de plantas?
            Como Sonivaldo não gravara o nome da atendente e também não conseguia sequer balbuciar o nome dela, interpelava-a agora por “Dona”.
            __ Oh Dona! É o seguinte, ao lado da casa há um terreno vago, os bichos podem ter feito suas ninhadas lá, entende?
__ Meu senhor! Tem alguém na casa com dengue? Porque nós da prefeitura, só estamos dando combate em local em que pessoas foram picadas pelo mosquito e estão com dengue!
            Sonivaldo entendeu perfeitamente tudo que a Dona Yokisalva lhe falou, mas não acreditou. Se fez de desentendido e disse à atendente:
            __ Dona, eu não entendi direito. O setor de combate da dengue, só vai onde já existem pessoas com dengue?
            __ É! Nós só vamos onde há pessoas com dengue. Mesmo que haja foco do mosquito no local, nós não vamos. É uma diretriz que é seguida à risca.
            Sonivaldo numa fração de segundo pintou o quadro: a sogrinha, o sogrão, o Netinho, de 21 aninhos e a cunhada, possivelmente todos sitiados pelos mosquitos da dengue.
            Sonivaldo carregava os ensinamentos dos pais. Um desses ensinamentos era “Homem Não Mente”. Mesmo que lhe custe um rim, um braço, o baço, é a verdade que faz um homem. O homem que mente é uma desgraça!
            Ser ou não ser homem! Eis a questão!
            Sonivaldo pensou no prefeito, quantas promessas, pensou no governador, nossa senhora, quantas promessas, pensou na presidente, Dª Dilma, putz! Quantas promessas, lembrou da inesquecível frase do nosso ex presidente Lula, “não tem uma viva alma mais honesta do que eu”.
            Diante dessa administração inoperante e caótica, o que faço Antenor, devo mentir?
            Antenor não respondeu de cara ou num repelão. Pensou, não acreditou. Como? Como esperar o pior acontecer? É função do município fazer a prevenção, não é? Fazer o combate depois é bizarro!
           O prefeito, o secretário da Saúde e o diretor do setor de zoonoses, são no mínimo, uns néscios. Quando pensamos que estamos vendo uma luz no fim do túnel, nada mais é que outra locomotiva em disparada em nossa direção.
            __ Pede para sua esposa ligar! Assim ela vai acreditar, alguém na casa tem que ficar com dengue para a zoonose ir lá combater o mosquito.
            Sonivaldo seguiu o conselho do amigo, pigarreou forte, limpou bem a garganta, aprumou na cadeira do boteco. Antes pediu uma cachacinha, meio limão galego e um torresminho; jogou a bituca do cigarro no chão, pisou com força, pegou o celular e discou:
            __ Alô, é a minha sogra!
            __ É sim meu genro, então, quais são as novidades? Já olhou aquele negócio da dengue? meu netinho está muito assustado!
            __ Minha sogra, é o seguinte: eu liguei na zoonose, pedi para eles irem aí, mas eles não vão. Lamento, só irão se alguém for picado pelo mosquito e ficar doente.
            __ Como é que é? Meu netinho, coitadinho, minha filha  eu e seu sogro temos que cair de cama, para esses trastes da prefeitura vir aqui em casa? Você Sonivaldo! É um banana, uma mosca morta. Onde minha filha estava com a cabeça eu casar com você? Seu pulha! Vou falar tudo pra minha filha, você não faz nada!
            Quando essa velha morrer, eu faço questão de enterrar essa víbora de barriga para baixo, pensou Sonivaldo.
            __ Minha sogra, tenha paciência, eu trabalho na prefeitura, mas não mando lá! Trabalho em outro setor. Amanhã vou lá pessoalmente e peço novamente, está bem?
            Sonivaldo tomou toda a cachaça, espremeu o limão dentro da boca. Após beber o caldo todo do limão, mastigou lentamente o torresmo.
            Sonivaldo chamou o dono do muquifo. O dono da botega veio andando lentamente arrastando uma sandália havaiana gasta, com o tradicional pano de limpar mesas e cadeira todo encardido e seboso no ombro.
            __ Senhor Aquino, me traz uma garrafa de cachaça, uma porção de torresmo, uma de salame e uns cinco limões, tá? Olhou para o colega e sentenciou: a noite hoje vai ser longa, preciso chegar bonito em casa pra manter o casamento. Jesus toma conta.