DELÍRIOS DE UM PORRE

Ao abrir a porta da geladeira dei de cara com um homem, não quis assustá-lo, porém confesso que senti receio dele. Nunca o havia visto antes, ainda mais dentro de minha geladeira. Por alguns instantes hesitei em fechar a porta em sua cara, mas não foi necessário, o homem deu-me as costas antes que eu o fizesse. Fiquei com aquela imagem e uma série de indagações em mente. Quem seria tal pessoa? O que desejaria?

Talvez fosse um pedinte ou um malandro, mas estava até bem vestido!

No dia seguinte, já de manhã as sete, levantei-me, dirigindo-me ao banheiro fui direto ao espelho e, ao olhar minha imagem... Não podia ser verdade! Deveria estar sonhando, a pessoa que eu via no espelho era a mesma da geladeira. E o meu rosto, onde estaria?

O que aconteceu comigo? Olhei a minha volta e apanhei uma lâmina de barbear, esfregue-ia no espelho na hipótese de ser um quadro ou uma fotografia, mas não podia ser! A imagem se mexia e respondia a todos os meus movimentos.

Será que enlouqueci? Quem sou eu? Meus pensamentos e a minha voz estavam normais, mas meu rosto mudara como é possível?

Tentei acalmar-me por uns instantes e refletir sobre o que poderia ter-me ocorrido. Não achava respostas, o pânico invadiu-me. Corri à porta da rua e aos berros fui dizendo:

- Socorro, alguém me ajude! Estou ficando louco ou querem me enlouquecer. Mas qual não foi minha surpresa- maior do que a primeira- o local aonde eu me encontrava parecia-se com o céu. Estava cheio de nuvens flutuantes e um perfume de jasmim era exalado por toda a parte. Não haviam pessoas, tampouco animais, somente eu e as nuvens. Teria morrido?

Cheguei a ficar realmente impressionado com a poeticidade que havia naquele lugar.

A sensação que eu tinha era a de um lindo sonho, do qual eu era o protagonista.

Arrisquei a dar alguns passos naquelas nuvens e foi maravilhoso. Em uma nuvem branca fui conduzido a uma estrada colorida de pétalas de flores e jasmins, no final do caminho podia se ver um clarão resplandecente que vinha do alto de uma montanha.

Lá estava de costas o homem da geladeira, quando voltou sua face em minha direção, causo-me espanto: o rosto dele era o meu. Permaneci estático no local onde me encontrava e acabei por perder a consciência. Só me lembro de detalhes até aquele instante, o resto só Deus sabe o que poderia ter-me acontecido.

Só posso dizer que momentos depois, encontrava-me em meu quarto, deitado no chão com a cabeça zonza e com uma enorme garrafa de vodka à mão, já vazia...

(27/01/1988)