À ESPERA DO RESULTADO DE CLÔ

Clotilde tem cabelos loiros, cortados recentemente tipo chanelzinho. Gosta de brincos extravagantes, assim como suas peças de roupas durante o verão.

Geralmente uma bermuda e um top coloridos e combinados, e nos pés rasteirinhas. Ela tinha acabado de completar 17 anos.

Era início do ano e tinha prometido aos seus pais que no início deste novo ano ia estudar a noite e trabalhar.

Sua mãe, Verinha fazia vista grossa e o pai, Carlinhos, só queria saber de sair do trabalho e passar no barzinho perto de casa para beber algumas cervejas antes de voltar para a casa. Ele não queria saber da sua filha e nem do filho, Carlinhos Júnior, de 2 anos, que ainda não tinha começado a estudar.

Verinha não se preocupava muito com Clotilde, nem muito menos com Juninho. Ela ficava o dia inteiro com o smartphone nas mãos. Ora nos grupos no Whatsapp, ora nas redes sociais (Instagram e Facebook).

A família de Clotilde quase não se via, mesmo quando todos estavam dentro de casa. Nos poucos minutos que almoçam juntos, durante a semana, Carlos estava ausente. Somente aos domingos que almoçavam todos juntos. Depois daqueles poucos minutos, cada um se levantava e já iam direto para cada canto da casa com o smartphone na mão.

Este distanciamento quase não era notado, porque de hábito, passou a vício, principalmente depois que Carlos instalou o roteador e wi-fi (famlianeves2017) passou a ser encontrado nos celulares e notebooks num raio de 30 metros quadrado. Ninguém sabia a senha, exceto cada membro da família. A vizinha deles, dona Jorgina, tinha jogado uma piada dias atrás para ver se Verinha falasse a senha, mas quebrou a cara. Era segredo de estado. _Só Carlos sabe.

Clotilde conseguiu um emprego de secretária numa clínica de médicos, Carlinhos Júnior começava a falar cada vez mais frases difíceis: _Mamãe, eu quero comer uma caixa de bom-bom. E Carlos cada vez mais distante e chegando tarde em casa, sempre com um hálito com uma mistura de cebola dos tira-gostos e cerveja azeda.

_Vai tomar seu banho, que vou arrumar a mesa.

_ Não quero jantar.

_Então toma banho e escova estes dentes. Sê está com bafo de bode.

O relacionamento do casal era tão frio que já estavam vivendo como amigos. Um virava pra um lado e outro virava para a parede. Ao invés de dormirem ficavam cada um no seu smartphone com senha cheias de zigue-zague e depois iam dormir.

Clotilde estava engordando. Depois que começou a almoçar no restaurante self-service começou a perder a dieta e estava ficando gordinha. Saía do trabalho e já ia direto para o colégio completar o último ano do Ensino Médio.

A família Neves estava vivendo uma rotina em que as novidades pareciam está presente somente dentro das telas dos seus smartphones. Diálogos cada vez mais remotos.

_Clotilde, como que estão suas notas?

_Estão bem. Devo passar direto. Ano que vem quero fazer faculdade.

_Minha filha, sua mãe está orgulhosa. Já está sabendo administrar seu próprio dinheirinho.

_Está sendo maravilhoso para mim. Sair 7 horas da manhã e volta quase 22h30 da noite, todos os dias estão valendo a pena.

Passaram-se os meses, chegando no final de novembro daquele ano, Carlos estava chegando em casa, com aquele mesmo hálito azedo, daquela vez com um teor mais podre de cachaça. Verinha tinha feito Juninho dormir e estava compartilhando vídeos de humor no Whatsapp. Depois de 30 minutos chegava Clotilde.

Ela estava suando, com os cadernos numa das mãos e um celular na outra. Usava uma mini-saia verde e um top verde claro. O pneuzinho já se salientava pelos 6 quilos que havia ganhado desde o início do ano e os cabelos loiros oxigenados a meio palmo das costas.

Carlos estava juntando um dinheirinho para pagar a faculdade de Administração para a filha e os tira gostos, cervejas e cachaças estavam cada vez mais sendo consumidos nas costas dos amigos que apostavam no jogo dos palitinhos no bar. Ele tinha sorte com os palitinhos.

Todo ano Clô mostrava com orgulho o boletim com aquele carimbo no rodapé: APROVADO.

_Clô, já tem o resultado?

_Pai, mãe, já tenho o resultado.

Verinha veio correndo da cozinha. Ela falou tão alto que acordou Juninho que desceu da cama e veio para a sala e Carlos estava sem camisa e de bermuda com o controle remoto na mão. Ele abaixou o volume do seriado que estava assistindo na tv para dar atenção para Clotilde.

Clô parou no meio da sala, colocou uma das mãos dentro da bolsa tira colo e tirou um papel branco com duas dobras.

Jogou os cadernos no sofá e foi abrindo o documento que parecia em câmara lenta. Seus pais arregalaram os olhos e parecia pela primeira vez no ano que todos estavam verdadeiramente concentrados numa mesma coisa.

Abriu o papel e leu em voz quase baixa com os olhos lacrimejantes.

_Positivo. Estou grávida há 2 meses.

Anderson Heiz
Enviado por Anderson Heiz em 24/01/2017
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