Guri transforma NATAL da vizinhança

A família do patriarca Pereira todo ano se reúne no Natal para se confraternizar. São quatro filhos e três filhas com Dona Olinda. Agora se juntaram mais quatro noras, três genros e 13 netos. “Seu” Pereira hoje é aposentado. Trabalhou por 30 anos na CSN e vive num bairro distante do Centro da cidade numa casa com um quintal enorme. Além de dois cães e um gato, tem criação de galinhas, patos e porcos.

Na sua casa tem mais de dez espécies de árvores frutíferas. Embora seja um senhor pacato, caseiro, religioso (vai à igreja aos domingos), o aposentado tem a fama pão-duro na comunidade. Prefere deixar as frutas caírem da árvore e virarem adubos e comidas de passarinhos do que dar para alguém.

Seu conhecimento como criador de suínos se aperfeiçoou a cada ano. Todo ano dois leitões eram assados para a ceia de Natal a meia-noite e para o almoço.

Seu Pereira veio de uma cidadezinha de Minas com 8 anos. Mulato, 74 anos, filho de agricultor, com seus cabelos ralos grisalhos, calvo, orelha grande, e 1,85m. Depois que aposentou só andava de bermuda e chinelo, e se distraía assistindo televisão e jogando milhos para as aves e rações para os cães e o gato. Toda semana percorria vários estabelecimentos para pegar restos de alimentos para misturar com farelo e alimentar os porcos.

Na manhã do dia 23 de dezembro, sábado, por volta das 7 horas, seu Pereira reuniu os três filhos e dois genros para começarem os preparativos no quintal. Instalavam estacas, esticavam lonas e limpavam os pisos. Era o dia de matar os porquinhos para dona Olinda temperar para leva-los para assar na Padaria do Tião. Enquanto faziam a arrumação, os netos ficavam a vontade, aproveitando as férias escolares.

Silvinho, 6 anos, era o que mais gostava de ficar brincando com os porcos e os porquinhos. Ele sempre pegava um pedaço de vara para ficar cutucando e coçando as costas dos suínos. Ele já entendia que Guri e Guria sairiam do chiqueiro para a mesa da ceia de natal da família. Era um único que ficava chateado. Era o único que se revoltava. Não se conformava com aquela situação.

_”Como pode estes bichinhos serem mortos e assados por inteiro”, pensava alto Silvinho.

Naquela manhã do dia 23, Silvinho acordou primeiro que todos os primos, às 5h30 da manhã. Na noite anterior tinha tido uma ideia genial.

_”Vou levantar cedo e deixar os trincos do chiqueiro abertos. Vou salvar Guri e Guria. Depois vou deixar o portão encostado e um pouquinho aberto. Seja o que Deus quiser”, confabulava.

Depois de tomarem café, seu pai e os tios e o avô desceram para o quintal. Conversavam. Contavam piadas. Comentavam as notícias. Entre gargalhadas e piadas, um grito surgiu da rua:

_Seu Pereira, seus porquinhos estão soltos, gritou Antonio, seu vizinho.

_O quê? O quê que está acontecendo, gritou seu Pereira.

Ele colocou as duas mãos na cabeça. Passou os dedos repetidas vezes entre os cabelos ralos.

E começava a correria. Correu seu Pereira para rua. Os gritos acordaram as crianças. Dona Olinda colocou a cabeça para fora da janela desesperada. Ela imaginou que tinha acontecido alguma coisa com o seu Pereira.

Saíram desesperados para capturar Guri e Guria. Apesar de poucos carros trafegando na rua, o risco de atropelamento era possível. Seu Pereira não queria perder os únicos porquinhos para a ceia de Natal.

Ariscos, Guri e Guria chamaram atenção dos cachorros de rua. Eles corriam juntos entre roncos e latidos. Os barulhos fizeram a vizinhança sair para as janelas, portões e calçadas a fim de ver o que estavam acontecendo.

Silvinho olhava a situação torcendo para que Guri e Guria sumissem de vista e se salvassem.

E corriam para lá, e corriam para cá.

Sete vizinhos saíram para correr atrás dos porquinhos. Eram ariscos e a maior preocupação eram ser mordidos pelos cachorros, que se uniram a Guri e Guria. Pareciam que os cães latiam para proteger os porquinhos.

_Pereira, cuidado com a pressão. Você não pode correr, gritava Olinda do portão, com o lenço na cabeça e um pano de prato na mão.

E corriam para lá, e corriam para cá. Guri foi para um lado. Guria foi para outro lado.

De tanta correria, gotas de suor descendo pelos rostos, gritaria e latidos, seu Hélio, morador de duas casas a frente de Pereira, desafeto há 15 anos por causa de uma bobeira, conseguiu pegar Guri. Tinham discutido por causa do futebol. Seu Pereira vascaíno não aguentava a zoação do rubro-negro Hélio.

Seu Jorge, dono do bar pegou Guria, quando ela tentou entrar no beco ao lado do seu estabelecimento.

_Obrigado Hélio, agradeceu Pereira, com um sorriso meio acanhado.

_Obrigado Jorginho.

(...)

Nunca ninguém descobriu o porquê de Guri e Guria terem fugido para a rua, naquela manhã de antevéspera de Natal.

No dia 24, às 23h20, alguém tocou a campainha.

Silvinho saiu correndo para abrir a porta e no portão umas 10 pessoas estavam em pé.

_Vô Pereira, tem um monte de pessoas querendo falar com o senhor, disse Silvinho.

_Estou indo meu filho!

Seu Pereira, com o sorriso nos lábios e buchechas rosadas, saiu e já foi abrindo o portão e abraçando seus convidados. Primeiro entrou flamenguista Hélio e sua esposa, depois Jorginho e sua namorada, Olavinho, esposa e dois filhos. Ricardo sua esposa, a filha, o genro e o neto, e Lino, esposa e dois filhos.

_Família, peço a atenção de todos! Estão chegando nossos vizinhos e amigos. Guri e Guria nos uniram naquela jornada alucinante.

Todos se acomodaram e enturmaram com a família Pereira. Conversas, sorrisos, amigos secretos, bebidas e trocas de presentes. Meia-noite fizeram uma oração comandada pela dona Olinda:

_Que neste Natal seja um dia de lembrarmos que o nascimento do Salvador Jesus Cristo foi para nos salvar e nos encher de amor! Ele morreu e ressuscitou. Está vivo! Que o amor Dele nos inspire todos os dias, em nome de Jesus!

_Amém, quase que todos simultaneamente.

_Pessoal, fiquem a vontade. Vamos cear! Guri está uma delícia! – comentou seu Pereira, com o copo de vinho na mão e a netinha Olivia de 1 ano no colo.

(fim).

Anderson Heiz - 23/12/2016

Anderson Heiz
Enviado por Anderson Heiz em 23/12/2016
Reeditado em 25/12/2016
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