BOOMERANG
-Onde está indo?  
       - Embora.
       -Embora pra onde?
       -Não te interessa.
       - Interessa sim, sou teu marido.
       - Era.
       - Como assim?
       - Quer que eu desenhe para você? Querido, acorda, eu estou te deixando. Estamos nos separando.
       - Separando? Ah! Como das outras vezes, você vai e volta igual boomerang.
       - Só que dessa vez não. Estou indo e juro pelo amor de minha falecida mãezinha, não volto mais.
       - Volta sim. Daqui a três dias.
       - Não volto de jeito nenhum. Zeca, dessa vez é definitivo. Eu te avisei que se chegasse bêbado em casa mais uma vez, você entraria e eu sairia.
       - Mas é melhor ficar bêbado e vir para casa que ir para outro lugar.
       - O melhor, Zeca, é você não ter bebido. Eu te pedi pelo amor de Deus.
       - Não vale você pedir pelo amor de Deus.
       - E por que não vale?
       - Você acredita que Deus não existe. Você não é... Como se fala?
       - Ateia.
       - E essa mala?
       - É minha mala, Zé Mané.
       -Assim você me ofende.
       - Você é que me ofende com essa bebedeira sua.
       - Não me diga que você também não chapa uma de vez em quando?
       - Bebo, só que bebo socialmente.
       - Socialmente? Eu também bebo, socialmente.
       - Você bebe sim, socialmente. Você bebe pra sociedade inteira, cachaceiro safado.
       - Cachaceiro, mas você me ama.
       - Amava. Agora não te amo mais.
       - Ama sim.
       - Não te amo. Prova disso é que estou indo embora. Aliás, nem sei por que estou dando tanto papo para um pinguço como você.
       - Você sabe sim.
       - Ah é? E por que então, sabe-tudo?
       - Por que você me ama.
       - Eu já te falei que não te amo mais. Amei. Foi lindo. Os momentos bons que passamos vão ficar na lembrança. Mas os momentos de porre de sua parte vou deletar. D-e-l-e-t-a-r, ouviu.
       - Ah, e os seus porres. Eu tolerei. Eu até fazia café margoso para você.
       - Então tá. Obrigado pela ajuda. Agora estamos quites, eu também já limpei vômito seu no chão do banheiro. Lembra-se disso, belezura?
       - Disso eu não me lembro.
       - Mas vai lembrar quando sentir minha falta.
       - Sua falta? Como assim.
       - Além de tonto é sonso. Tchau, estou indo.
       - Para onde?
       - Eu já te disse que não te interessa.
       - Interessa sim, eu sou seu esposo.
       - Não é mais, eu já te disse isso.
       - Posso te pedir uma coisa?
       - Desde que não seja para ficar, pode.
       - Deixa de lembrança aquela calcinha vermelha.
       - Não tem jeito.
       - E por que não?
       - É a que estou usando.
       - Tira aí e vai embora sem.
       - Não sou safada de sair por aí sem calcinha.
       - Veste outra.
       - Então dá licença do quarto.
       - Eu quero ver.
       - Num vai ver de jeito nenhum.
       - Ah, deixa.
       - Então não tem calcinha vermelha de lembrança. E depois, logo, logo, você arruma outra boba pra me substituir.
       - Não vou arrumar nada. Você vai voltar dentro de três dias, lembra?
       - Não vou voltar dessa vez, Zeca, eu já disse. Não me estressa.
       - Já que não tem calcinha vermelha, chega ao menos aqui para eu te dar um último abraço.
       - Tá bom. O último desejo do condenado. Só abraço, não quero sentir esse cheiro de cachaça.
       - Chega mais. Uh! Que abraço apertado.
       - Tira essa mão das minhas coxas.
       - Ah, não resista não, deixa acontecer. É nossa última vez. A manhã está linda. Deixa. Depois você pode ir embora.
       - Ajuda a desfazer minhas malas, primeiro.
       - Quer que eu te ajude?
       - Quero.
       - Não falei que você ia voltar.
       - Eu não voltei dessa vez. Eu falei que não ia e não voltei.
       - Voltou sim. Você não está aqui comigo?
       - A cachaça comeu seu miolo, Zeca? Eu não voltei. Eu nem fui.

 
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 22/12/2016
Código do texto: T5860890
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