Ao telefone

“Oi, alô? É... eu sei que você tá me ouvindo. Também sei que tá me vendo pela fresta da cortina no andar de cima. O céu tá escuro, tá ventando forte e uma tempestade se aproxima. Eu tô aqui, em cima dessa bicicleta, batendo na sua casa pra pedir abrigo — da chuva, da vida. Abre essa porta, me deixa entrar pra gente conversar. Porque você sabe, “tudo que eu quero te dizer eu já cansei de escrever”, eu já cansei de tocar, de cantar.

Eu tô vendo sua mão direita na janela. Sinto falta de tocá-la... de entrelaçar minhas mãos às suas e me ligar a você como antes. Tá esperando o que pra abrir essa maldita porta e me abraçar apertado até eu perder o ar? A chuva está se aproximando e eu não tenho mais roupas secas que aguentem esse seu chove-e-não-molha.

Aquela noite, lembra? A gente estava deitado no tapete da sala, a chuva foi tão forte que acabou a força. Você acendeu velas no fogão porque não achou fósforo e comemos quase todos os restos da geladeira por medo de estragar. Acho que é a mesma chuva. Foi nessa época, não? Isso mesmo, ria! É bom saber que está ouvindo meu telefonema.

Daqui ouço passos, mas já não sei se está descendo pra me expulsar ou me acolher. Acontece que quando você me acolhe, logo me expulsa pra longe por todo esse medo-de-se-machucar, essa falta-de-confiança-em-nós. É... você diz muito isso e eu sei; eu sei que não há nada errado em pensar assim, mas eu to aqui e chuva vem depressa.

É... não sei de mais nada. Eu sei que eu tô esperando uma porta aberta e acho que sou como o Campos, na frente de uma parede sem porta. Talvez seja bom dar uma volta na chuv— CONTROLA ESSA RESPIRAÇÃO, POR FAVOR! Eu te amo. Eu—“

Choveu.

Ana Eduarda
Enviado por Ana Eduarda em 13/12/2016
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