Lete

Quando o demais alcançou as lembranças e o fundo do poço parecia não ter fim, Homero procurou ajuda. No primeiro dia com o psiquiatra, ele estava apático e um pouco alto. Tudo que estava dentro parecia não querer sair, entretanto, durante a consulta, o jovem falou. Falou mais do que falara em anos. Os assuntos? Aqueles mesmos que vinha ruminando por tanto tempo. Estava emocionalmente nu diante do médico. E, aos poucos, um vômito verde foi vazando de seu peito machucado. Nele, muitas dores. Enquanto o psiquiatra anotava, Homero expunha incontrolavelmente o que sentia. Sua boca seca combinava com seus olhos de chuva; chuva ácida que demorou a cair. Muito do que não havia sido resolvido foi dito, porém o médico resolveu observá-lo mais do que argumentar. O mais impressionante de tudo era a memória do rapaz. Ele se lembrou de momentos de sua infância e adolescência, quando se sentia rejeitado pelos pais e coleguinhas de escola; lembrou-se de desejos proibidos e amores impossíveis, trazendo à tona mágoas não diluídas até então, as quais tentava afogar com álcool. O médico, apesar de novo, tinha certa experiência de vida, por isso, resolveu fazer um teste com o rapaz, receitando-lhe uma pílula. O tal remédio, segundo o médico, acalmaria aquele monstro interno e, ao mesmo tempo, faria com que boas lembranças sobressaíssem às más. Homero deu um sorriso amarelo, agradeceu ao médico por sua atenção e foi embora. No caminho para casa, passou na farmácia e comprou a tal pílula. Ao ouvir o nome da medicação, o atendente coçou a testa, em sinal de preocupação e recomendou que Homero a tomasse com moderação. Cinco dias depois, já tendo tomado algumas pílulas, Homero olhou-se no espelho e notou que sua expressão facial havia mudado. Percebeu que a tão esquecida serenidade havia voltado. E, ao tentar acessar alguns pensamentos negativos, tinha certa dificuldade. Sendo assim, continuou tomando as pílulas. Tomou uma, duas, três cartelas… E, no final daquele mês, retornou ao psiquiatra. Suas feições eram outras. O médico sorriu ao vê-lo bem. Conversaram por um longo tempo sobre diversos assuntos, até que o médico tocou nas antigas feridas. Ao ouvir sobre sua primeira decepção amorosa, Homero sorriu um sorriso bobo e inocente, alegando não se lembrar de tal acontecimento. Disse ainda que estava ali por causa de sua tendência etilista. E, durante toda consulta, o médico ia inserindo outras situações desagradáveis à conversa, o que fez com que Homero pensasse que seu médico estava louco, já que nada daquilo lhe soava familiar. No fim da perícia, Homero saiu da sala um tanto desconfiado da sanidade de seu psiquiatra. Esse, por sua vez, percebeu que aquele novo e revolucionário medicamento seria um grande sucesso, também aderindo ao seu uso.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 11/11/2016
Reeditado em 20/07/2018
Código do texto: T5820518
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