MARACANÃ... (*)

Uma brisa amena sopra da Baía da Guanabara, dribla edifícios, morros e enseadas; faz tremular as bandeiras oficiais ao redor do anel superior do gigante de concreto armado...

Olas multicoloridas inundam a geral e a arquibancada. Estandartes tricolores e rubro-negros, desfraldados ao vento, colorem de amor e de paixão o céu da cidade...

De braços abertos sobre o Corcovado, o Redentor, um tanto inclinado, abençoa o majestoso espetáculo.

Pairam no ar diáfanas nuvens de pó-de-arroz e da fumaça dos fogos que espocam pelo céu da metrópole...

Paraquedistas, asas delta e revoadas de balões tricolores e rubro-negros invadem o espaço aéreo da Cidade Maravilhosa...

As empolgadas charangas executam marchinhas deste e de outros carnavais.

Ambulantes garimpam preciosos espaços entre a delirante multidão, alardeiam quitutes, sorvetes, churrasquinhos, biscoitos e hot dogs...

Equilibram-se em tabuleiros de madeira, garrafas plásticas e geladeiras de isopor,

(sic) Olha o gelado.(sic) Olha o amendoim torrado. (sic) Olha o cremoso.

A esquadrilha da fumaça faz acrobacias de tirar o fôlego; escreve mensagens de amor e de paz no azul celeste do Rio de Janeiro.

Apaixonadas, as torcidas prometem sacrifícios, penitências, abstinências, tudo por uma vitória sobre o arqui-rival.

Uma hibrida mistura de pólvora e pó de arroz aromatiza o ar...

O jogo está prestes a começar...

Reforçada pela cavalaria, a segurança ocupa pontos estratégicos nas ruas que circundam o estádio.

O estandarte da CBF (*), conduzido por meninos e meninas, órfãos da chacina de Vigário Geral, abre caminho pedindo jogo limpo.

Lado a lado, com os capitães à frente, as equipes adentram o gramado...

Já perfiladas, e voltadas para a tribuna de honra, abrem uma faixa. Em letras garrafais, a mensagem:

“Aqui, racismo não tem vez”.

O pavilhão nacional é hasteado pela primeira dama do Estado, a quem também será dada a honra do pontapé inicial.

Tomadas por um pontual sentimento de patriotismo, as torcidas, agora, em uníssono, cantam o hino nacional brasileiro, solenemente executado pela banda dos fuzileiros navais...

O locutor oficial anuncia que antes do início da partida será observado um minuto de silêncio, em homenagem ao Papa João Paulo II e às trinta vítimas da chacina de Nova Iguaçu.

Já devidamente posicionados, de cabeça baixa e de mãos para trás, os atletas concentram-se no intenso vazio. Alguns fecham os olhos, outros abrem as mãos, e apontam para o céu, clamam por proteção...

Vaias impacientes e palavras de ordem aqui e acolá, pedem o início da partida. Para alívio geral, o mais longo dos minutos chega ao fim...

A massa retoma seus gritos de guerra, faz e refaz coreografias; as torcidas desfraldam estandartes gigantes, cobrem-se com seus mantos sagrados, repetem antigos bordões...

O árbitro aproxima-se do circulo central. Acerta os cronômetros, consulta os goleiros, em seguida os assistentes. Acena para o quarto árbitro, benze-se, aponta para o céu, pede proteção a Deus e sopra um longo e estridente apito...

Jurandir acorda assustado. Com a palma da mão, bate no insensato despertador, e vai, aos poucos, tomando pé da realidade de mais um dia na vida. Levanta-se, abre a janela, e depara-se com a mesma rua, as mesmas tipuanas, sibipirunas e quaresmeiras. Como ontem e anteontem, o poste da esquina também estava lá... E, do outro lado da praça, a imensa seringueira, abria os seus galhos e folhas, projetava sombras anônimas em muros e fachadas, abraçava a manhã de mais uma primavera paulistana...

Jurandir volta o seu olhar para dentro do quarto, anda daqui pra ali, pisa em tacos soltos, abre a cômoda e o guarda-roupa, veste uma camisa amarela com cinco estrelas no peito, a velha calça de brim, calça meias e sapatos, e liga o rádio de cabeceira...

Em edição extraordinária, a locutora informa que o Papa João Paulo II acabara de falecer, e, assim como os mortos da chacina da Baixada Fluminense, também será homenageado com um minuto de silêncio, antes do Fla-Flu programado para aquela festiva e tão aguardada tarde de decisão...

Jurandir tenta, em vão, lembrar-se do placar do seu sonho. Não consegue. Devido ao extemporâneo e intenso calor, o jogo que decidiria a Taça Rio de 2005, só começaria às 17 horas daquele ensolarado domingo de outubro...

Há quem diga que, naquele dia de Fla-Flu, a temperatura no Rio de Janeiro ultrapassara 40 graus centígrados à sombra...

FIM

Notas:

(*) Em língua tupi, significa “semelhante a um chocalho”. Antes da construção do estádio, havia ali grande quantidade de aves vindas do norte do país chamadas “maracanã-guaçu”.

O nome oficial do estádio, “Mário Rodrigues Filho”, foi dado em homenagem ao jornalista pernambucano, irmão de Nelson Rodrigues, que se desdobrou no apoio à sua construção.

(**) Confederação Brasileira de Futebol.

Zizifraga
Enviado por Zizifraga em 11/11/2016
Reeditado em 11/11/2016
Código do texto: T5820198
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