A Quadratura do Círculo-cap. XX

Um dia, tio Adamastor resolveu sumir de vez; não deu mais notícias e, como não tinha família, não soubemos mais dele...também, aloucado como era!

O tempo passou e a pepita foi esquecida, somente relembrada de vez em quando como o bálsamo de nossos sonhos .Mas eis que um dia, uma correspondência chega a nossa casa; era de um banco pedindo a renovação de um contrato de cofre de aluguel, em nome de Adamastor Dias da Silva! Como ele não tinha endereço fixo, deu o nosso. Era a pepita!

-É a pepita? É o que todos, embasbacados, se perguntavam. Renascem os sonhos e os castelos etéreos novamente.

-De que tamanho seria ?

-Quanto valia?

-Mas esse Adamastor...

-Ora, ele não a largaria num cofre e sumiria...-era papai, nos puxando pelo braço da realidade e furando as bolhas de sabão em que flutuávamos no ar...

Mas aquilo reacandeu em nós a esperança da pepita milagrosa e eu, já rapazola, um dia , mesmo sem ter a pepita em peso, mas em pressentimento em meu bolso, adentrei numa joalheria e, ante o espanto do dono, a farejar assalto, balbuciei :

-Quanto vale uma pepita assim, assim, pesando tanto?

-Uns oitocentos mil...

Oitocentos mil, número mágico, sonoro; saí de lá repetindo sílaba por sílaba, letra por letra; um número apenas e... os problemas se acabam, as privações, as humilhações... oi-to-cen-tos-mil !

Falei à mamãe e à mana; elas viravam os olhos de felicidade...

-Ora essa deve ser uma daquelas que ele apronta; vai ver que só tem papel lá dentro e ele está a caçoar da gente- era meu pai, lacônico, como sempre. Para ele ,acostumado com os golpes e trapaças da vida, aquilo não era para se levar a sério.

Mas levávamos e... eu é que iria desvendar o mistério; meu pai não queria se dar ao trabalho; tinha muito serviço, minha irmã era pequena e minha mãe não sabia ir...

-Oitocentos mil- acordei sobressaltado...vira um saco de moedas e...não conseguia agarrá-lo; tio Adamastor vinha, pegava as moedas e gargalhava.

-Zé, você tem ideia do que dá pra comprar com oitocentos paus?

-Ih, um montão de coisa...”xovê”, uma casa e um carrão bacana.

Zé, um colega, me ouvia sempre; era dessas pessoas pra se jogar conversa fora. Devo lembrar que, se hoje ainda é uma quantia vultosa, naquela época era uma fortuna.

-Mas você tem essa grana?

-Tenho nada, mas fico imaginando.

Passaram-se os dias; fui, afinal, verificar o dito cofre; tinha uns dezoito anos e, já me achava um grande homem, capaz de coisas excepcionais; hoje em dia ninguém confiaria uma tarefa dessas a um adolescente, porém naquele tempo confiavam-nos certa responsabilidade, como ir ao banco pagar contas, andar sozinhos pelas ruas, assim “criaríamos responsabilidade”. Como meu pai duvidava de que houvesse qualquer coisa de valor ali, mandou eu fazer o serviço.

Cheguei à agência; o gerente suado achou que fosse um boy; já ia me dando serviço, quando mostrei o número do cofre da correspondência. Espantou-se um pouco por ser alguém tão jovem a requerer, mas não foi tanto assim, com tantas coisas malucas nessa vida e conduziu-me até a parede com vários cofres numerados; prcuramos o número do meu e...lá estava ele!

Enfiou a chave enferrujada; foi duro de abrir; girou e, poeira à vista, que espantamos com as mãos. Lá dentro tinha alguma coisa; papel, como era de se esperar; pareciam notas promissórias não pagas! O danado nos deixou dívidas, mas... ali no fundo, tinha algo redondo; enfiei a mão afoito, peguei-a na mão; era ela! Era verdade, viva!! O gerente notou minha surpresa; peguei-a na mão, virei-a de lado, contemplei-a como a um tesouro! O gerente não parecia crer que fosse algo de valor; levantou a sobrancelha, mas não falou nada, só perguntou:

-Vai querer renovar o cofre?

-Não; pode fechar; só vou levar essa pedra.

Tá bom!

“Pu-la” no bolso, como diria Jânio nos seus dias de glória, e saí feito um foguete dali; olhava para os lados, com medo de ser seguido; em minha paranoia havia uma quadrilha que me cercava, reparava nos rostos dos passantes; a pedra me pesava no bolso; “que imprudência”, pensaria hoje em dia, em que não dou um passo sem checar as portas e as chaves de casa, mas nessa época era mais viril. Cheguei à joalheria afoito; atirei-a nas mãos do joalheiro , que se assustou, depois lembrou de mim e olhou com atenção a pedra. Pegou-a, focalizou-a com o binóculo, rodou-a, rodou-a; depois trouxe lá de dentro um líquido amarelo ; pingou-lhe umas gotas, tirou umas amostras; depois colocou-lhe o ácido; que soltou um chiado. Por fim , pegou a pedra e riscou uma superfície com ela. Pensou um pouco e... chegou ao veredicto.

-É ouro? –perguntei , afobado.

-Não, é pirita?

-Pi...o quê?

-Pirita de ferro!

E, vale alguma coisa?

-Nada, não vale nada; é o chamado “ouro de tolo”!

Decepção completa; murchei... entristeci mesmo; “meu mundo caiu”, como diria a música; ele falou sobre o tal “ouro de tolo”, título de uma música de Raul; e foi isso que eu fui mesmo e mais ainda foi o Tio Adamastor, com sua pedra; talvez nos pregara uma peça mesmo . Não tive coragem de dizer a verdade a minha mãe e irmã; disse que o gerente não quis abrir o cofre, depois inventei que estava emperrado e fui enrolando , até esquecerem; pra que destruir os sonhos e ilusões das pessoas? Isso é uma parte boa da vida , que os tais “realistas” tentam destruir com suas narrativas nuas e cruas; eu somente me tornei mais cético e um pouco do Romantismo me abandonou a partir daquele dia, talvez não todo ele; uma injeção de sonho com que todos devem ser vacinados.