Análise de Coxinha - Parte V

A super coxinha era famosa, foi apresentada a ele há uns três anos por outros amigos numa pequena pastelaria na rua debaixo da sua casa, ali só se vendia pastel e bebidas, mas o negócio cresceu, o espaço aumentou, a clientela se fortificou, novos sabores de pastel foram colocados no cardápio e o preço do quitute deve ter aumentado, mas isso é o de menos mesmo sendo o de mais.

Rafael ficou ansioso pela coxinha. Quando chegaram lá, Heitor procurou o cartaz da oferta que dizia que ela custava cinco reais, pediu duas e se sentaram numa mesa atrás do balcão, ainda pediram uma garrafa de refrigerante e conversaram até a super coxinha chegar.

- Eita Heitor, olha o tamanho dela!

- Espera, não come agora, deixa esfriar...

- Aqui tem molho barbecue?

- Deve ter no balcão!

O amigo de Heitor pegou o molho no balcão, porém alertou:

- Esse molho de barbecue é ruim, tem gosto estranho ó...

- Rafa, não ligo muito pra molho, quero saber do recheio, porque a massa dela parece boa, o bico dela não é aquele clássico, mas tá com o desenho, parece bem frita, está bronzeada naquele bronzeamento de segundo dia de praia, sabe, aquele bronzeamento em que a garota já não tá branca e nem negra, morena, tá com uma cor, essa coxinha tá com uma cor...

- Cala a boca, mano, acho que esfriou, e só pra constar, eu começo a comer pela bundinha...

- Eu ia te fazer essa pergunta, cara, ela tava engatilhada aqui, pô, mas, por quê você começa a comer pela bundinha?

Rafael pega a coxinha, morde e logo após, se surpreende com o recheio:

- Tem cheddar, aê!

- Porque pela bundinha, Rafa?

- Eu prefiro ficar com o recheio primeiro e depois, quando acabar, como a massa, o bico é só massa, não existe bico de coxinha recheado, é pura massa...

- Bom, se isso faz sentido ao seu paladar, quem sou eu pra contrariar...

Heitor massacrou sua coxinha com alguns goles de refrigerante, não pensou em pedir outra, enquanto Rafael reclamava:

- Meu estômago tá zuado desde quinta, não quero mais!

- Tem certeza?

- Tenho, o esquema é a gente pagar e ir até a farmácia comprar um sal de fruta...

Heitor abocanhou o último pedaço da coxinha do seu amigo, pagou a sua parte e levou o resto de refrigerante. Subiram até uma farmácia de esquina e Rafael saiu de lá com um pacote de sal de fruta e um remédio líquido para alívio estomacal, ele tomou o segundo de uma vez e confessou:

- Heitor, vou ter que usar seu banheiro, acho que o remédio já fez efeito, acredita?

- Acredito, eu espero que tenha papel lá em casa, aliás, você com a barriga zuada atrás de coxinha, é louco?

- Se não tiver papel, vou tomar banho lá, heim...

E Heitor fala baixo:

- As coxinhas que aparecem atrás de mim, não sou eu quem vai atrás dela, oh Jesus!

- O que você disse, Heitor?

- Nada, só pensei aqui, coxinha boa heim, o que achou da super coxinha?

- Achei que ela fez um super estrago, mas o cheddar no recheio me conquistou...

- E a minha azia não veio, a super coxinha é mágica, se fosse qualquer outra, poderia me foder, mas acho que não, deve ser porque agora vivo analisando coxinha...

- Deu pra ver, falando da massa, do recheio, se o bico era bico, se a bundinha era lisa, hahaha, agora abre essa porta que eu quero cagar!

Rafael entra primeiro e mal cumprimenta os vários parentes do seu amigo que estão na sala, sobe a escada e entra no banheiro ao lado do quarto de Heitor.

Heitor sobe depois e pergunta:

- Cara, tem papel aí?

Sim, tem um inteirão, aqui – responde Rafael aos gritos.

- Ainda bem, bom, sinta-se à vontade, o problema é que não tem revistinha pra folhear como na casa de gente rica, então, use o celular e não deixe cair na privada.

Alguns minutos depois, Rafael sai do banheiro com uma expressão de cansaço e com o rosto branco, Heitor lhe dá água e explica o seu futuro plano:

- Senta aí no banquinho, Rafa, descanse aí da cagada, eu tô pensando em colocar uns quadros aqui nesse quarto, pintura de cozinha, hahahaha, vou pegar essas fotos das coxinhas que eu tiro, mando ampliar, emoldurar e vai enfeitar o barraco, da hora, heim...

- Meu, seu quarto vai ficar parecendo uma lanchonete, é isso?

- Não, apenas modelos vivas de coxinhas que vão embelezar o quarto, melhor do que aquela revista de mulher pelada que eu te dei...

- Minha mãe não ia gostar que eu fizesse isso no meu quarto, ela ia querer decorar o quarto do jeito dela.

- Faço questão de chamar sua mamãe quando o quarto tiver com as fotos nas paredes, heim, vou abrir visitação e vou aparecer no jornal...

- E depois contar como sua vida é triste, chorar na tv e ganhar uma bolsa de gastronomia?

- Não, gastronomia não, não gosto de cozinhar, mas bem que eu entraria num curso para aprender a fazer coxinha, vou procurar na net...

- Heitor, vou embora, me bateu uma canseira, ainda acho que vou parar no hospital, mas e a psicologia, desistiu?

- Eu acho que sim... Talvez... Não sou eu que tô desistindo da psicologia, é ela que deve tá desistindo de mim, só pode, mas eu vou fazer um esquema...

- Que esquema? Fala logo que eu vou embora!

- A psicologia da coxinha, coxinlogia, ou psicoxinha, psicoxinha, hahaha, aê, sensacional...

E depois de algumas bobagens ditas entre os dois, Rafael vai embora agradecendo a privada, a água, a ida ao encontro da super coxinha e a conversa, porém se despede com o rosto branco, dores estomacais e tremendo de frio.