E ele gostava de música latina

E ele gostava de música latina, era latino, mas não latino como os latinos da América Latina. Ele conhecia parte do mundo lá de fora, mas não conhecia a parte do mundo de lá de dentro. Latino da Latino América, latino da América Latina brasileira, mas do brasileiro pouco conhecia e idolatrava tudo o que era estrangeiro, inclusive, o que do estrangeiro, o próprio estrangeiro não apreciava. Das palavras conhecia muito, se expressava muito bem, mas os dizeres quando muito, eram superficiais, embora pudessem ser profundos. Mas ele ainda não conhecia o lado de dentro e, sabe-se lá se um dia iria conhecer, talvez por medo, talvez por nem saber o real sentido de lá de dentro. Ele achava que conhecia lá fora, mas lá fora também lhe dava medo, porque não sabia o que tinha lá dentro e, porque, só sabia ver lá fora. E o medo fazia parte de sua trajetória, apesar de manter pose de gladiador, ele era forasteiro. E como bom forasteiro, muito embora muito viajasse e encontrava muita gente, fugia das situações quando se deparava com alguém que quisera levar-lhe a se aventurar lá por dentro. E como conhecer lá fora sem conhecer lá dentro? O conhecimento do lá de fora se coincide com o próprio conhecimento de lá de dentro. Mas disso ele não sabia, ou não queria saber. O que ele era bastava e era o que podia oferecer, era o que dizia. E quem se atrevesse a levar-lhe a uma viagem profunda estaria fadado ao sumiço. No swing latino das canções de rumba, o seu medo se desfalecia, se perdia nas horas noturnas à luz da lua de uma noite aparentemente vazia. O seu olhar era firme, mas o seu toque evasivo e não se permitia gostar. Gostar não é como uma simples vontade que se mata ao saciar, gostar é se permitir experimentar de uma sensação insaciável. Ele era engraçado, bem afeiçoado, viril e estudado, mas internalizou a capa de forasteiro-estrangeiro, não sentindo-se que fazia parti daqui. Ele não queria criar laços, raízes e nem morada, creio que se esquecera que até de onde veio e, por isso, se sentia estrangeiro. Ele não se permitia, não se envolvia, não sentia e não criava e, nem se recriava, pois não acreditava que isso lhe pertencia. Como se isso fosse possível, vivia invisível e às vezes invisível se fazia, mas alguns lhe viam e ele não se deixava olhar. Era como se ele não quisesse enxergar, mas quem o observava o via e, apesar de tanta certeza, o que ele tinha era certeza de nada. A sua vida era como uma barreira de gelo e de lama pálida que não se podia transpassar e, o que ele fazia, era criar ainda mais obstáculos para que os outros não pudessem lhe enxergar. Talvez os de lá não o enxergavam, mas alguns daqui o percebiam, ainda que ele não se fizesse ser percebido. E como num conto em que a gata borralheira se torna princesa, ele se tornou o príncipe de alguém daqui, que mesmo sabendo de suas lamurias, lhe resolveu acompanhar. O que fizeras vou lhes contar. Latino de uma América que nem tão latina é assim, não passava de falácia e, falácia daquelas mais falaciosas. No envoltório da não percepção dos daqui, ele deu a entender que começou a se permitir, até se permitiu gostar e teve um breve encontro com alguém que não era de lá. Mas oras, vejam bem, não era de se estranhar, o desconhecido como é sabido, lhe trouxe dificuldades, novidades e realidades que não podiam ser apalpadas quando ele estava lá. E o temor do que lhe era novo fez estancar, pois aquele contato com o outro poderia lhe libertar. E se os de lá hablaban com palavras estupiendas pero enfraquecidas, o de cá sequer sabia o que falar, mas sabia como sentir e queria também levá-lo a este lugar. Mas, é claro! Ele tinha medo de experimentar, de gostar, de amar, de sentir, de enxergar, de ser visto, de ser descoberto, de se envolver e de deixar de ser como um de lá. O que ele não percebia era que ele não vivia, ele fugia, forasteiro da vida, forasteiro infeliz, pois ainda que aparentasse estar feliz, quem poderá ser feliz sem sentir e criar? Quem poderá ser feliz sem se deixar entregar? Ele não entendia o que de fato ele queria e, nem o de cá percebia que talvez ele não quisesse. E o imbróglio lhe fez amedrontar, pois o de cá lhe falava palavras que jamais ousou em profeciar, palavras que lhe faziam viajar pelas montanhas do Aramaica e pelas nuvens que só se vê em Plestrofon, o aroma das flores púrpuras e singelas que desabrocham na primavera, lhe permitiram um turbilhão de sensações nunca antes abraçadas. E num primeiro momento parecia que se libertara e que se sentia numa noite latina de canções de rumba cubana. Mas nem as viagens para os lugares inimagináveis e nem a descoberta de sensações nunca antes habitada, foram suficientes para lhe fazer desaprisionar. O de cá lhe mostrava o quanto ele poderia ser, enquanto os de lá se contentavam como o que ele já era. Mas os de lá não conheciam suas as profundezas e, nem o de cá, porém o de cá era fascinado por explorar novas profundezas e acreditara poder-lhe ajudar, pois sabia que explorar outras profundezas era como se deliciar ao som de uma canção pura e aconchegante de ninar. A superfície e as margens do rio já eram conhecidas, as profundezas é que deveriam ser experienciadas. E quanto mais experienciadas mais se descobre novas profundezas ainda não exploradas. Mas o de cá, cego por suas sensações, não pode entender que ele tinha um incrível temor em experienciar. E o de cá lhe estendeu a mão, mas ele preferiu voltar para lá. O de cá não teve sensibilidade em perceber que talvez ele não quisesse realmente experienciar. A cegueira lhe fez refém de um crime que não mais se poderia consertar. E o que poderia ter sido uma viagem interestelar, se transformou em um conto de uma letra só, que viu um estrangeiro se aproximar, mas que teve que se contentar apenas com la baila de una musica latina em seu olhar.

Matheus Karl
Enviado por Matheus Karl em 03/05/2016
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