EU TO VOLTANDO PRA CASA

Quando minha mãe casou de novo, achei que finalmente teria uma família de verdade. Irmãos para mandar, ensinar a jogar bola, companhia para dividir meu quarto. Enfim coisas normais...

O marido dela trouxe na bagagem uma filha, do quarto casamento: Mônica. Uma negra de pele clara e olhos esverdeados “erva mate” foi à primeira coisa que me veio à cabeça. Herança da família dele foi amor a primeira vista.

E as mudanças só começaram naqueles primeiros anos, quis tanto uma grande família que minha mãe exagerou. Engravidou de gêmeos e quando menos esperei nasceram os meninos, Anailan e Niraian. Meus avôs quase tiveram um ataque cardíaco quando souberam desses nomes. Levariam mais de um século para conseguirem pronunciá-los cara de um focinho de outro. E eu mandaria em ambos, estava louco que crescessem. Meu quarto antes espaçoso ficou apertado, minha paciência com o novo rumo de minha vida, acabou... Apesar de estar a cada ano mais apaixonado pela Mônica. Porém não suportava mais a barulheira a bagunça na casa quando a dupla começou a caminhar. E começaram também as brigas, a casa também diminuiu com as discutições por conta dos pestinhas. Esses somente riam com dois dentinhos aparecendo e as bochechas coradas pelas correrias as coisas que quebravam. E o meu padrasto com cara de paisagem, aliás, depois que os gêmeos “surgiram”, eu e a Mônica ficamos relegados a segundo plano, praticamente o ultimo.

Um dia minha mãe falou que meu pai queria me conhecer. Surpreso e muito excitado retornei a ligação dele. No dia seguinte o encontro. Não foi bem o que esperava, pegou-me grosseiramente pelo pescoço fazendo festa como se fosse um cachorrinho. Queria um abraço e só recebi uma batida desajeitada no ombro. Depois do desconfortável aperto no peito consegui sorrir. Aos poucos descobri que eu era a cara dele, aos dezesseis anos de idade, tínhamos a mesma altura porte físico. Legal, o coroa parecia meu irmão mais velho. A mãe disse que tinham a minha idade quando eu nasci. O cara queria me conhecer melhor, sugeriu que passasse as férias de julho na casa dele. Curti. A mãe não gostou muito, a Mônica menos ainda, disse que iria me perder. Bobagem.

Dois meses depois me despedi da família. A Mônica e a minha mãe com lágrimas nos olhos. Pensei, também nem era para tanto. Abracei-as reafirmando que as amava de montão. Os gêmeos já estavam com dez anos de idade, esfregavam as mãos entreolhando-se rindo: o quarto só deles. Meu padrasto? Com cara de paisagem...

A casa do coroa era a liberdade nunca antes imaginada por mim. Começando por um quarto espaçoso, só meu, televisão computador tudo do bom “do bom” mesmo. Joguei-me na cama de casal fofinha cheirosa, fiquei igual meus irmãos rolando de um lado a outro. Até perceber o coroa na porta observando minha babaquice. Parei sentei todo sem jeito e ele riu dizendo que tudo ali era meu. Alias a casa toda e saiu. Viver com aquele cara totalmente estranho que não fazia questão nenhuma de ser pai, só um “cara” que chamou um estranho para “sua casa”. Sinceramente era muito “foda”. Queria ficar chocado, nossa, é meu pai, nada de conversas entre pai e filho. Foda-se. Encontrei no prédio mesmo uma galera do mal no bom sentindo aqueles adolescentes que faziam mal a sim mesmo, entende. Drogas bebidas sexo com ou sem camisinha, noitadas faltar às aulas e danem-se as convenções. Eram eles. Antes de me unir a eles liguei para minha gata preta todo eufórico contando as novidades e ela com a voz chorosa dizendo que estava com saudades me queria de volta. Quando fui responder minha mãe entrou na conversa possessa, pois as férias eram de duas semanas e eu ainda não havia voltado. Mãe eu te amo, foi o que consegui dizer antes de desligar, a galera me esperava. Meu coroa viajando, a Loreta linda gata liberada "dava" para todo mundo me esperando...

Viver daquele jeito com aquele cara era uma grande expectativa sempre, queria mais dele, mas não sabia o que realmente queria. Sem conversas sem broncas somente informações básicas: “Não dê confiança a empregada, quando quiser dinheiro peça, use meu nome ou telefone em qualquer circunstância”. Éramos e continuávamos sendo dois estranhos. Fazia dois meses que não voltava para casa nem freqüentava a escola, e ele nem ligava. Ah, a empregada chamava-se Jô, uma loira gostosa mais muito depravada. Louca para dar um golpe no patrão. Senti orgulho de mim saquei na hora.

Sentia falta de minha mãe, das broncas, na casa do coroa não precisava arrumar a cama o quarto, jogava a toalha molhada na cama. E não dava nada... Almoçava jantava e deixava a louça suja na mesa mesmo, às vezes esquecia e juntava tudo para lavar. Deuseline parecia a mãezona do coroa dizia que deixasse que elas arrumariam. Dava um abraço apertado nela um beijão nas bochechas e saía.

Para a “zona” do andar de baixo. Estava livre, fazia o que bem quisesse o coroa era permissível demais, aprendi a beber fumar baseado. Chegava tarde e o coroa não percebia ou só deixava para me testar. Sei lá. Sempre ocupado com os negócios ou com as mulheres. Minha mãe dizia que era um baita galinhão. Não ligava mais para a Mônica e nem para minha mãe. O coroa só disse que ela iria reclamar e odiá-lo por deixar isso acontecer. Não teve duvidas uma tarde ela apareceu rodando a baiana, pegou a tamanca e se venho para cima de mim. Gritando me xingando mandando voltar para casa depois desabou no choro sentando no sofá com as duas empregadas em sua volta. Com chás copo de água e ela inconsolável. Expliquei que precisava daquilo tudo para descobrir o que realmente queria da vida, preciso dessa experiência em meu currículo. Beijei a coroa, não agüentei, abracei-a apertado louco de saudade daquele aconchego. Minha Mônica quietinha olhando tudo fui ao seu encontro e também abracei-a sem perceber a saudade que sentia daqueles braços miúdos envolta do meu pescoço. Levei-a para o quarto feliz querendo mostrar tudo e que ela ficasse encantada como ficará. Nada... Sentei-a na cama de mãos dadas, queria conversar, mas só saia abobrinhas. Estava ainda sob o efeito das drogas, também acabava de chegar de uma daquelas noites. Essa que não consegui participar. Brochei. Culpei o álcool a cocaína. Mentira. Descobri agora, olhando para a carinha da Mônica. Jamais transaria com alguém que não amasse. Não na minha primeira vez...

O coroa iria viajar e pela primeira vez conversamos. Muito, sobre muitas coisas foi legal. Só não gostei de ter sido responsável por todas as bobagens que fiz enquanto estive lá. Por isso não me proibia para que eu escolhesse e repetia que não era mais criança. Tudo tinha seu preço e conseqüências e eu arcaria com minhas escolhas. Me abraçou, aquele abraço que estava esperando desde a primeira vez até beijou meu rosto feito pai. Abriu uma conta para minhas despesas até minha velhice e enquanto estivesse lá para cuidar de tudo. Disse que me amava e partiu.

Ah, e entenderia se quando voltasse não me encontrasse mais lá. Sabe de uma coisa pensei vendo o carro dele atravessar o portão. Não quero essa liberdade coisa nenhuma, quero meu quarto cheio de irmãos. Os tênis fedendo a chulé dos gêmeos no meio da sala. A vozinha sumida da Mônica reclamando da bagunça e mandando a gente organizar tudo. A mãe me xingando, dançando toda desajeitada na cozinha. Meu padrasto com cara de paisagem, mas no fundo cuidava de mim e da Mônica. Sentia falta do meu futebolzinho no campo com meus amigos. A bebida não me tornava um adulto nem a droga me fazia mais homem. Queria dançar rancheira um xóte afigurado com a minha pretinha vestida de prenda. Tentar dançar pagode com ela e dar risadas por pisar nos seus pés. A Deuseline apareceu querendo saber aonde iria com a mala. Meus olhos, disse ela, brilharam quando disse “eu to voltando pra casa”...

RÔCRÔNISTA
Enviado por RÔCRÔNISTA em 26/03/2016
Reeditado em 09/04/2016
Código do texto: T5585690
Classificação de conteúdo: seguro