A Quadratura do Círculo-cap. XVII

Vamos mudar de assunto; quero tratar de outros mais importantes que uma simples relação. Vou lançar agora a “lei das compensações”. Chego à conclusão de que nenhum ser nesse mundo pode ser completamente feliz. Levantei essa ideia com o professor Apolônio :

-Se alguém nasce milionário, pode ser feio ou o contrário : lindo, mas miserável; alguém pode ser inteligentíssimo, mas não conseguir de jeito nenhum tocar berimbau. Alguns podem ser ricos, lindos, terem esposas lindas , mas não terem um filho; outros moram em casas paupérrimas e têm uma imensa prole.

Ele passava uma vassoura na cabana; parou um pouco e respondeu:

-Observação interessante; isso reforça aquele seu outro pensamento que dizia que encontrava maior alegria entre as pessoas mais humildes; ou não seriam mais espontâneas ?

Diante daquela observação, quis cutucá-lo com uma observação picante :

-Você me diz isso, mas, e se ganhasse na loteria agora, se recusaria a viver melhor, a desfrutar das regalias dos mais ricos? Ou gosta de viver em cabanas perto de represas por opção?

Ele largou a vassoura; aquilo parecia tê-lo cutucado :

-Você me pegou; realmente quem é tão honesto assim e não se deixa pegar por essas armadilhas? É fácil falar que a riqueza é ruim quando se tem a tulha cheia. Isso só prova o quanto somos eternos insatisfeitos com o que somos e com o que temos...

-Mas não respondeu à minha pergunta: não sairia dessa casa e desfrutaria da vida se pudesse?

Pensou por um momento:

-É bem provável que sim...

-Isso sim é uma resposta honesta!

Saí de lá satisfeito com minha impertinência, aliás, saí um pouco chateado; acho que tinha sido rude com meu amigo. Amigo? Chamei-o assim? Quem era aquela pessoa que mal conhecia, que me levava uns tostões que fariam falta para o leite? Sei lá, parecia uma pessoa de bem. Bem? Que estou falando; parecia a família de Paloma. Resolvi consultar seu nome na internet; lá tem tudo; vamos ver essas suas tão propaladas qualificações ...Hummm !Ah, eu sabia!

Deixemos de lado um pouco o professor Apolônio; vou relatar a minha infância e adolescência; disse ali atrás que tinha sido malvado como os outros moleques; nada mais estranho à minha natureza. A bondade se insinuava em minha face, mas nunca quis ser o moralista ou exemplo, porém as professoras me tomavam sempre como símbolo de virtude. É verdade que meu desempenho escolar era acima da média; meu pai guardava seus livros de Sociologia em casa; me indicava os grandes nomes da literatura de que ouvira falar, mesmo não os tendo lido todos. Tomava aquilo como uma verdade.

Sempre quis ser um moleque como os outros; tentava me enturmar, mas , minha habilidade futebolística sempre foi uma negação; ou ia pro gol ou não me queriam no time; ou pior: era o último a ser escolhido! Último a ser escolhido; éramos sempre eu e outro menino gordinho...Podem se passar cem anos, que nunca esquecerei essa humilhação. Gozado que para os alunos com dificuldades há a segunda época, reforços e chances, mas, não saber jogar, é um crime de lesa-pátria! Por isso ficava em casa e me aplicava nos estudos; lia tudo que me caía na mão e, humilhava-os ao meu modo; fechava as notas no segundo semestre; quando todos estavam de recuperação, eu já estava de férias. Clodoaldo, um garoto loiro, morria de raiva de minhas notas; quando não estava olhando , me acertava com bolas de papel. Outro dia vi sua foto no jornal. Nunca mais o vi, porém sei que é um homem público importante. O mundo aprecia pessoas que atiram bolas de papel nos outros.

Ângelo Ranieri
Enviado por Ângelo Ranieri em 17/02/2016
Código do texto: T5546797
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