Buraco Negro

Iara estava linda, como na primeira vez, mas não era a mesma daquela época. O espelho continuava sendo seu único e verdadeiro parâmetro de beleza. Do outro lado da cidade, estava Horácio. Sorriso tímido, óculos de professor de matemática, estilo clássico... Muito elegante e cheio de expectativas. Chegou pontualmente. Roía as unhas, esperando a pretendente. E quanto mais o tempo passava, mais ansioso ele se sentia. Nem a cantada da garçonete fez com que ele relaxasse. E dali a pouco surge Iara. Então, ele se viu num deserto diante de um oásis. Ela, por sua vez, jogava seus cabelos negros como a noite para um lado e para o outro, como se fora uma celebridade num comercial de xampu. O encanto de Horácio continuou ao ouvir a voz doce e ver o sorriso encantador de Iara. Seu coração batia forte e seus olhos azuis brilhavam. Ambos pareciam tímidos, mas logo a conversa engrenou. Os assuntos eram diversos, mas apenas um deles prevaleceu até o fim do jantar: assuntos profissionais. Aquilo trouxe certa frustração para Horácio, que esperava outra atitude da beldade. E logo a jovem abriu o verbo e expôs seu desinteresse. Ela alegou que esperava alguém mais velho, mais claro, mais elegante, mais bonito e mais rico para possível relacionamento. Aquelas palavras eram balas de metralhadora, rasgando o peito de Horácio e destruindo sua fina camada de segurança. Assim que terminou o “massacre”, Iara sorriu um sorriso cruel, pagou a conta e, ironicamente, disse a Horácio que estava encantada em conhecê-lo. Em seguida, ela se despediu, deixando-o sozinho à mesa e foi embora. No caminho, enquanto escutava aquela velha canção, Iara foi mudando de feição. Seu rímel, já borrado, misturava-se às lágrimas que desciam de seu rosto apático, ao passo que, passados recente e longínquo se misturavam em sua mente perturbada. Lá ela se viu do outro lado. Uma, duas, dez vezes... Lá estava ela ouvindo as mesmas palavras que acabara de dizer a outrem e tendo as mesmas atitudes que tanto condenou em outras pessoas. Aquele era um grande buraco negro que ninguém poderia ver por trás de sua falsa autoconfiança. Ainda no restaurante, Horácio sentia-se desnorteado. Ficou ali por mais algum tempo, refletindo sobre tudo que havia acontecido. Ao deixar o local, ele quase foi atropelado por um motorista imprudente, mas, felizmente, seus cacos eram apenas internos. E, diferentemente de Iara, ele resolveu juntá-los, mesmo sabendo das cicatrizes que ficariam em seu coração. E logo um velho ditado lhe veio à cabeça: “As cicatrizes de ontem serão a sabedoria de amanhã.”

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 09/10/2015
Código do texto: T5409617
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