A MORADORA DA CASA ROSA

Há muito não se via uma aglomeração tão grande quanto naquela manhã de dezembro na Vila dos Sapos. Homens bem vestidos com ternos e gravatas, e mulheres com vestidos longos e brilhantes. As senhoras idosas mostravam os seus penteados bem arrumados. Aquela multidão lotava a casa de apenas três cômodos e um pequeno quintal. Na sala, havia alguns canapés, chá de camomila e um suco de uva artificial. Uma vitrola tocava algumas músicas de Edite Piaf. No canto da cozinha, tinha uma mesa forrada com uma toalha xadrez e um vaso no meio dela. Algumas guloseimas, bolo de milho e tapioca faziam a alegria das famintas crianças. Os visitantes chegavam aos poucos, mas ficavam em pé devido à falta de assentos naquela pequena casa. Quem caminhava até a cozinha passava por uma espécie de "corredor polonês". Havia gente de um lado e outro. A concentração dos visitantes era composta de filhos, netos, bisnetos, cunhado, e sobrinhos da moradora da casa rosa. Mas também tinham outros importantes moradores das cercanias da cidade. Estavam presentes o dono da farmácia, seu Décio, o fazendeiro Brás, e o padre Nelson. Na calçada da casa existia uma turma que não conseguira entrar na residência rosa. Alguns estavam de cabeça baixa, outros tocavam um violão desafinado. O som produzido pelo instrumento atraia mais e mais curiosos. Outros que não conheciam a dona daquela casa também paravam para ouvir os odes e cantares de um grupo de missionários. Do outro lado da rua um bêbado pousava o chapéu panamá no peito em sinal de respeito aquela moradora ilustre. Aos poucos, a rua ficou intransitável para carros, motos e até para o seu Quintino e seu jumento. O ato fora programado para as quatro horas da tarde. Todavia, aquele contingente estava impaciente com a demora do carro confortável que viria buscar a nobre senhora. O carro enfim estacionou na porta da casa rosa. Porém surgiu na esquina da rua um homem desesperado. Os gritos foram ouvidos pelo motorista da limousine luxuosa que conduziria a ilustre moradora. Ninguém entendeu estes gritos do assustado homem. Quando a nobre senhora adentrou o veículo, Neto de Pitanga (o tal homem) rosnou: - Não!, não!. Esta não é a Dona Merinha. A população somente entendeu quando apareceu no início da rua a verdadeira dona da casa rosa. O serviço funerário havia trocado o endereço de uma senhora que falecera no mesmo hospital onde esteve Dona Merinha. Aquela ilustre moradora teve apenas "um passamento". Ninguém morreu naquela rua na tarde quente de dezembro. A celebração continuou até à noite. Porém desta vez a comemoração foi pelo não falecimento da querida Dona Merinha. (em memória de Trifena Bernardo do Rego).

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 02/10/2015
Reeditado em 07/10/2015
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