O assessor do Pelé

O assessor do Pelé – “Vai todo mundo comer o Pelé? Vai”

Hoje, jogadores de futebol são praticamente seres inalcançáveis. Isso não serve apenas para os fãs do esporte, mas também para repórteres que, embora aparentemente bem próximos deles, estão também bem distantes. Sabe quando um time desembarca do ônibus e vai entrando no hotel ou no estádio? Ficam sempre em volta algumas dezenas de repórteres ávidos por uma declaração qualquer. Não precisa ser algo bombástico nem polêmica, bastam algumas palavrinhas mesmo. Até porque os atletas hoje têm todos os seus movimentos friamente calculados e são muito bem adestrados pelos mais diversos profissionais – desde um assessor de imprensa até um hair stylist -, nenhum deles vai se atrever a...

- Bom, eu acho que o povo deveria dar mais valor à política do que ao futebol. Afinal, eu estou com a vida ganha, milhões no banco, casa própria, carrão importado. Enquanto isso, tem um monte de gente dando duro por aí.

Isso jamais. Nenhum jogador vai, digamos assim, fazer um gol contra desse, jogando contra o próprio patrimônio. Afinal, se as pessoas se convencessem de sua fala e mudassem de postura, ele provavelmente nem teria o emprego ou o status social e econômico que tem.

Hoje em dia também não vemos jogadores com suas falas polêmicas, como tão bem faziam Tulio Maravilha, Romário, Edmundo e Renato Gaúcho nos anos 90. Assim, frases do tipo...

- Está tudo decidido, hoje vamos enterrar o caixão do adversário.

... são impossíveis.

Mas voltando à distância entre jogadores e repórteres. Apesar de craques da estirpe de Neymar e afins passarem sempre pertinho dos ex-estudantes de jornalismo, parece, na verdade, que nem estavam por ali. Por quê? Estão sempre com óculos escuros gigantes – mesmo na mais escura noite -, usando aqueles fones de ouvido gigantescos – no futuro, otorrinos ainda ficarão ricos tratando milhares casos de surdez – e com suas orelhas ostentando aqueles brilhantes que dariam para comprar um apartamento. Ou dois. Um verdadeiro universo particular de isolamento. Quando muito, esses caras que nasceram com o dom de jogar futebol fazem apenas um sinal de positivo e continuam andando bem rápido, como se estivessem com muita vontade de ir ao banheiro. Na verdade, aposto que estão mesmo é com pressa de terminar o torneio de Fifa ou postar fotos com a língua para fora com hashtags enigmáticas no instagram.

Diante disso, eu me pergunto: será que a situação sempre foi assim? A reposta: não.

Jogadores de futebol são uma classe extremamente estereotipada; muitos têm fama de burro. Chega a irritar quando gaguejam em entrevistas, falam alguma asneira ou respondem só o que diz a cartilha preparada por clubes e assessores. Enquanto isso, no passado, tínhamos, por exemplo, Nilton Santos, conhecido como “A enciclopédia do Futebol”. Veja só, um jogador que tinha como apelido “Enciclopédia”. Nos dias de hoje, há termos igualmente grandiosos, como “fenômeno”, tudo bem que Ronaldo fez jus à alcunha dentro de campo, mas fora dele não chegava perto disso. Só se for no campo do marketing – licenciamento de produtos, aí sim. Garrincha, “alegria do povo”, o “anjo de pernas tortas”, não era nenhum aspirante a orador da Academia Cristã de Moços, mas era verdadeiro pelo menos; não tinha um discurso nem ações moldados por quem quer que seja.

Talvez só o tivesse quando ia estrelar alguma propaganda. Em tempos em que jogadores de futebol eram apenas... jogadores de futebol, Garrincha já aprontava das suas no meio publicitário. O Craque chegou a fazer propaganda de calçados infantis, visto que era pai de sete meninas. Pelo menos oficialmente. Agora imagina o que Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol, venderia?

Enciclopédias. Seguros. Planos de saúde. Qualquer coisa. Figura de caráter tão ilibado quanto Nilton Santos conseguiria a confiança do consumidor para inúmeros bens. Seria do tipo que venderia até cobertor em Bangu em pleno verão. Já que estamos falando de jogadores antigos, e o Pelé? Esse até hoje tem sua imagem associada a diversos produtos e serviços.

Enquanto jogadores atuais da estirpe de Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar e afins são praticamente inatingíveis, com assessores, agentes, empresários, pais super-protetores e tudo mais, dizem que Pelé era bem diferente. Costumava dar atenção a jornalistas e quem mais quisesse falar com ele. Lembremos que lá pelos anos 50, 60 e 70 não existiam também celulares e tocadores de música dos mais evoluídos, que hoje monopolizam a atenção dos atletas e só permitem que eles esbocem um sorriso, uma piscadinha e um enigmático sinal de positivo. Enfim, voltemos ao Pelé.

Dizem que era fácil falar com ele. Bastava chegar cedo, antes do treino.

- Pelé, posso falar com você?

- Já está falando, entende.

Pelé aproveita para fazer uma piada lodo de cara, o que já é um bom sinal.

- Tudo bem? Queria mesmo uns minutos com você...

- Olha, o negão aqui gosta é de mulher, sabe...

- Não, não é isso, queria uma entrevista e saber outras coisas também.

- Entre... entrevista?

- Isso, trocar uma ideia, conversar sobre a sua carreira, sobre os jogos...

- Moço, prefiro falar sobre mulher, samba...

Preocupado em perder a chance de conversar com Pelé, Diogo resolve tratar de um dos assuntos preferidos do jogador.

- Bom, podemos falar sobre mulher também então.

- Opa, aí sim!

Os dois dirigem-se a uma pensão bem próxima à Vila Belmiro. Pelé já era conhecido no local e é recebido com um copo de café e um pequeno prato de arroz e feirão. Combinação insólita, mas era a preferência dele. Diogo acha, no mínimo, curioso.

- Que dupla, hein.

- Quem?

- Arroz e feijão mais café.

- Ué, se são três, pensei que fosse trupla. Ri Pelé.

- Trio, né?

- Ah, você entendeu, entende?

Diogo enrola, fala sobre mulher, samba, Pelé se anima e os dois ficam um pouco mais próximos. Quando resolve voltar a falar sobre seus reais objetivos, Diogo não contava que Pelé tivesse de ir. Pelé foi e deixou a conta para Diogo pagar.

Diogo saiu dali com a cabeça fervilhando de ideias. O encontro com o jogador só lhe tinha dado mais ideias de ações a serem tomadas com a imagem do craque. Imagina só. Café do Pelé. Feijão do Pelé. Óculos escuros do Pelé. Graxa do Pelé.

- Mas aí é sacanagem, po.

- Por que, Pelé?

- Graxa do Pelé? Quando o Capita achar isso, vai me sacanear muito!

- Tá bom, tá bom...

- E cigarro do Pelé?

- Ih, eu não fumo! Fala com o Canhota!

- E cerveja do Pelé?

- Aí sim, bem que eu gosto de uma loira!

- e quanto à noite de autógrafos?

- Pornógrafos? Não gosto dessas coisas, sou de família.

-Au-tó-gra-fos.

- Olha, não sei falar estrangeiro. Nem eu nem o Garrincha, ele até trocou um rádio que comprou lá fora e...

- Já conheço essa história, nem é bem assim...

- Ah, isso é verdade, mas a gente gosta de pegar no pé dele.

- Sei.

- Sabe? O senhor conhece o pessoal?

- Não, Pelé, é jeito de dizer...

- Tendi.

- E o perfume, o que você achou?

- Se for me ajudar com a mulherada, tudo bem.

- Vai te ajudar na poupança.

- Opa, vou atrair macho? Assim nem quero!

- Não, Pelé, você vai ganhar dinheiro...

- Mas atraindo macho? Assim não dá!

- Err.. deixa eu explicar... bom, melhor mudar de assunto...

- Isso, você gosta de Simonal?!

- Não, foca aqui.

- Nunca vi desse bicho aqui em Santos...

- Não, preste atenção em mim.

- Ah, claro.

- E o que você achou do Café Pelé?

- Achei ótimo. Quando sair, você pode mandar uns sacos para a minha mãe lá em Três Corações?

- Pelé, com o que você vai ganhar, mando a plantação inteira.

-Mas vai dar trabalho para a minha mãezinha moer isso tudo...

- Tá bom, eu mando uns sacos para a sua mãe.

Pelé não entendia bem de licenciamento de produtos, mas estava gostando da ideia. Sabia, por exemplo, que Leônidas ganhava um bom dinheiro da Lacta com o Diamante Negro. Logo, queria faturar também. Dias depois, porém, ideia de Diogo o desanimou bastante, quase fazendo-o desistir da empreitada.

- O nosso primeiro lançamento será o “Feijão Pelé”!

- Vai todo mundo comer o “Pelé”?

- Vai!

- Tô fora!

CONTINUA