A Caixa

Desde criança, olhava para o céu como quem buscava ajuda, alguma resposta. Não entendia nada. Autoritarismo de seus pais, violência física e psicológica, preconceitos de todos os tipos o rodeava. Quando adolescente, buscou respostas no cristianismo. E para a sua surpresa: Deus era ainda mais autoritário e cruel que sua família.

Ele não sabia ao certo o que procurava, se era resposta ou cura de sua dor. Sabia que havia alguma coisa errada com ele. Sua auto-imagem fora destruída. Não se enxergava no espelho sem se odiar primeiro. A infância lhe foi tremendamente assustadora. Traumatizante, eu diria. A imaginação lhe salvava de sua angústia tão precoce.

Agora, homem feito, acha que entende bem melhor o que se passava. A sensação de inadequação o perseguia. Não se sentia muito bem em família, com os amigos, na igreja, no trabalho. Uma espécie de alienígena fabricado por estes que socialmente são chamados de adultos. Mas ele veio com um defeito de fábrica. O sistema tem os seus 'panes'. De algum pane, falha nas informações: ele nasceu. Meio deficiente de maldade, meio inocente em uma selva.

Quando criança, obteve vários apelidos de sua família. Um deles ele se lembra bem: ovelha negra. E eles tinham razão. Ele era mesmo. E hoje, pior. É ovelha negra num sistema de um esquema covarde, perverso, autoritário. Anda pelas ruas desconstruindo a sociedade do consumo, do espetáculo, do vazio do pensamento e da ação. É um niilista positivo da inação. Ainda se sente sufocado. Não dá para escapar disso. O mundo é um quadrado.

Dentro desta caixa chamada de mundo ele escapa na livre imaginação. Nos pensamentos que os perturba, os provocam, tiram o seu sono, muitas vezes aumentando sua angústia. Mas ele se enfrenta, e os enfrenta. Na caixa ele não quer se encaixar. Neste mundo quadrado ele não quer se enquadrar. O mundo é feito assim, desde sempre: pensamentos padronizados, corpos 'encorpados' de vestimenta moral, embalados para uso do dono. Os discursos de dentro da caixa são vazios, mas estão prontos. As pessoas não gostam de pensar. Querem tudo na mão, como crianças. A caixa já sabia disso. Eis a vitória do patriarcado, das religiões fundamentalistas, dos sistemas comunistas disfarçados.

Hoje, ele tenta não se enquadrar em nada, nem em seus próprios pensamentos. Descobriu que não há formas corretas nem fórmulas secretas. Há caminhos para se trilhar e possibilidades para se agarrar e tentar. Sempre tentar. A vida é um eterno retorno de uma prévia desistência, mas com resistência, podemos desejar, tentar e alcançar.

Na caixa não há possibilidades, nem potências. O niilismo é negativo e a desistência está dada na ditadura da publicidade dos pensamentos. Não pense, não questione, nem pesquise, não se informe. Somente obedeça.

Assim a caixa se engrena de suor, sangue, dor e tristeza. O sofrimento humano é a sua fortaleza. A crença num outro mundo é a sua promessa. Enquanto isso, todos nascem para a venda. Embrulhados de presentes para a cultura do ódio ao outro, da negligência e da indiferença. Cada um absorve da caixa, a sua caixa e ali guarda todas as suas certezas. E assim, vamos repetindo tudo o que sempre fazemos. Matar-se uns aos outros. Este é o maior mandamento do sistema.