Rama

Eu sempre soube. E eles também. Entretanto, eu não me sentia culpado. Não mesmo. Aquilo era tão natural pra mim. Não era algo que eu havia planejado; não nesse mundo, pelo menos. Havia muito mais do que os pensamentos alheios poderiam chegar. A diferença não era tão visível na infância, mas o tempo se encarregou de tornar visível o incorrigível. E naquela manhã de verão, quando o sol da verdade brilhava no céu, eu fiquei exposto a ele. Assim que cheguei a minha casa, levei um baita susto ao ver meu irmão sentado na poltrona do nosso pai. Em seus olhos a velha doçura havia sumido. Eles lançavam adagas em minha direção e eu me sentia como se tivesse uma faca no pescoço. Ele se levantou, aproximou-se de mim e despejando toda sua ira, disse que eu o envergonhava por ser como eu era. E disse muito mais, me condenando pelo meu jeito e pelas minhas atitudes. Eu tentei me defender, dizendo que havia nascido daquela forma e que ainda que eu mudasse meus atos, eu não poderia mudar minhas tendências, mas ele insistiu em dizer que, se eu realmente quisesse, eu poderia mudar e que não o fazia porque não prestava. Eu fiquei ali ao chão, ouvindo os maiores impropérios, enquanto ele se vangloriava de sua masculinidade e sedução com as mulheres. E, acreditando ser superior a mim, ele me ofendia mais e mais. Apesar de tudo aquilo, eu sabia que o fato de ser diferente não significava que eu era inferior. Eu já havia sido alvo de muitos preconceitos, mesmo entre aqueles que agiam como eu, mas, diferentemente deles, eu não me escondia. De repente a agressão verbal se tornou física e, enquanto eu sangrava por dentro e por fora, nosso pai apareceu para me visitar e impediu que aquela tortura continuasse. Eu estava muito machucado, mas consciente para ouvir o que o papai dizia ao meu irmão, que, depois de tudo, saiu pensativo e cabisbaixo. E como “castigo”, aquilo tudo deveria ecoar eternamente em sua cabeça, junto ao peso do arrependimento. Assim que viu aquilo, papai fez com que meu irmão parasse, sem tocar-lhe um dedo. Ele apenas disse: “_Você vai mesmo continuar com isso? Você se esqueceu da nossa última conversa?” Meu irmão, atordoado, parou imediatamente e alegou que eu o havia provocado. Os pais conhecem seus filhos. Conhecem inclusive muitos de seus sentimentos, desejos e atitudes. Por isso eles os amam com igualdade. Papai não fugiu à regra. E continuou: “_Você acha mesmo que eu não sei o que seu irmão é e tem feito? Você acredita que eu te faria superior a ele? Você se esqueceu do que eu lhes ensinei sobre amor e fraternidade? Não me parece que seu irmão, a quem você tanto julga, tenha se esquecido disso. Nem tudo que ele pratica me é conveniente e o mesmo acontece contigo. Se eu fosse te julgar por trair a sua esposa, por roubar o seu sócio, por agredir verbal e fisicamente aqueles que você julga errados, por matar animais indefesos, por ser avarento, invejoso e preguiçoso, você, sem dúvida não se consideraria superior a ninguém. Vá embora; eu vou cuidar do seu irmão. Não deixarei de olhar por você, mas saiba que sua hipocrisia me ofende bem mais do que as atitudes dele.” Logo a ambulância chegou e, assim que melhorei, papai me levou para morar com ele.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 27/06/2015
Reeditado em 30/06/2015
Código do texto: T5291504
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