DESDE 1952

 

Era mês de julho, primeiro ano de minha faculdade, eu acho... Tava na roça de férias. Meu pai me chamou para cortar umas taquaras pra fazer balaios lá na beira do Rio Santana. Atravessamos o aterro do córrego, depois o pasto que vai dar na vazante pluvial. Daí até o rio são uns quinhentos metros de areia, árvores, garranchos e, é claro, taquaras. Vazante é o lugar onde o rio joga pra fora o excesso de água de seu leito durante as enchentes. Eu conversava com meu pai e andava. Parava um pouquinho para apreciar o assunto, andava e conversava de novo. Então eu quis bancar o sabichão. Sabido e exibido, eu disse:
_ Sabe pai, tá vendo essa vazante, eu acho que faz muito tempo era ali que passava o rio. Com o tempo...
Ele me interrompeu, sempre de forma educada, que era o seu jeito:
_ Você tá enganado meu filho (eu ia colocar meu apelado de infância, mas não vou fazer isso não), Deus fez o rio desse jeito. E eu sei disso. Desde 1952, quando a gente mudou de São Gotardo (MG) pra Itapuranga (GO), ele corre nesse mesminho lugar. Ele é desse lugar. Sem tirar nem por. Onde você inventou isso?
_ Quando falo muito tempo...
Mudei de ideia, não havia necessidade de tentar convencê-lo do contrário. Meu pai sabia bem mais que eu dessas coisas do humano saber e ser. Hoje também sei que a verdade não é algo a ser comprovada e verificada. Ela é apenas uma possibilidade, entre as diversas outras, que a gente pode destruir, nunca construir. A gente pode saber que uma coisa é falsa, mas não saber se ela é verdadeira. Verdade é aquilo que resiste ao teste do mundo. Além do mais, pra mim meu pai era a verdade em pessoa. Quando ele morreu foi uma verdade que desaparecu. Mais uma que sucumbiu ao teste do mundo.