Décimo Andar

O despertador toca.

São cinco horas da manhã.

Ele abre os olhos como quem não quer ser expulso do ventre.

Dá três longos passos até a porta do quarto.

Suspira angustiado.

Ele sabe que tudo poderia ser diferente. Mas essa nunca foi a nossa condição.

Ele anseia por alguma resposta. Sabe que isso é uma tentativa inútil. Mas quem sabe ele enxergue alguma beleza por trás disso tudo?

Volta três passos em direção a sua cama e dá dois em direção a janela.

Ele vê carros enfileirados como numa marcha fúnebre. As buzinas gritam e alguns palavrões são proferidos de dentro dos veículos. Ele sente sua angústia aumentar. Tentativa inútil, ele repensa.

Pensa por um instante em voltar para cama e se deitar novamente. Talvez a dor se vá e ele consiga ter um dia mais leve, ou menos pesado. Sabe que não pode fazer isso. Ele assinou com contrato dizendo que iria prestar seus serviços por tempo indeterminado. E quem sabe ele também tenha assinado sem ver, que junto da sua mão-de-obra estava sua alma e seus ingênuos sentimentos?

Não há nenhuma possibilidade de esperança. Mas seu espírito anseia por repouso, paz, uma calmaria.

Sabe que desejar isso é estúpido. Se sente derrotado pela terceira vez. Mas para quê toda essa resignação se o que nos aguarda no fim é a iminente derrota?

Ele desiste de pensar e resistir. Abre a janela e a dor se vai. Como um pássaro negro que se vê livre de uma prisão: a gaiola da qual nenhum corpo escapa. O pássaro vai e com ele a chave também. Ele está livre. Ele está no décimo andar.