Elisa

Com uma das pernas pendendo para fora da cama, Elisa apertou o lençol e suspirou impaciente.

As paredes se fechavam ao seu redor como o oposto de um abraço e a luz do abajur criava uma atmosfera quente e opressiva . O ponteiro do relógio marchava implacável engolindo qualquer esperança de voltar a dormir. Três da manhã.

O silêncio era quebrado apenas pelo leve ruído do ventilador.

Não encontrou entre as cores incertas e fantasmagóricas criadas pela fraca luz, nenhum tom que acalmasse.

De onde estava podia avistar o maço de onde alguns cigarros fugitivos se espalhavam ao lado do isqueiro prata. Presente de Marcelo, tempo de pura porra-louquice. Tempo bom.

Imediatamente sua mente vagou até a segunda prateleira da geladeira aonde uma fileira de garrafas geladas que iam de vodka a cerveja clamavam por atenção.

Sacudiu a cabeça desalentada. Vícios antigos e novos querendo se infiltrar e se instalar em meio ao seu desespero.

Resistiu ao álcool, mas por pura preguiça de se arrastar até a cozinha.

Logo se viu esticando o braço para alcançar um cigarro.

Engasgou e tossiu como uma principiante na primeira tragada e agoniada, resolveu por fim sentar-se.

Estava no fundo do poço, mas não tinha intenção nenhuma de morrer queimada só porque de repente tinha conseguido se ferrar no sono profundo com um cigarro aceso nas mãos.

Aquele não lhe pareceu um momento perfeito para tentar identificar em que ponto sua vida havia desandado.

Estava vulnerável e à mercê do acaso e claro que isso não era saudável.

A garganta se fechou em uma espécie de nó apertado e desistiu de vez de fumar.

Colocou o ventilador na potência máxima e o aproximou mais de si. Uma tentativa débil de abafar os gritos que ameaçavam escapar do próprio peito.

A verdade é que havia uma parte em si irrecuperavelmente magoada. Um dano permanente que vinha de longa data.

Apesar de toda matemática embutida em sua razão, não ousava medir a extensão dos próprios ferimentos.

E agora, aquela solidão absurdamente avassaladora que a assolava com a descoberta da traição de Henrique. A pergunta que pairava suspensa na sua incredulidade era apenas uma: Como ele pôde?

Aquela ferida aberta ardia, queimava e pulsava infeccionada. A lucidez se apresentou como um organismo estranho devorando suas defesas.

Lágrimas ameaçavam despencar e com esforço afastou-o dos pensamentos. Não tinha energia para constatar o desmoronamento de anos confiança e muito menos argumentos que pudessem justifica-la. Bastava saber que não merecia.

Tinha que ficar ao seu próprio lado naquele momento ou perderia para sempre o pouco que restava de si mesma.

Manter a razão para resgatar o juízo comprometido pela dor.

Precisava dar a volta por cima e continuar a viver em sua legítima defesa.

Ignorou com valentia a bagunça que habitava seu quarto, sua vida.

Esperou quase vazia que a manhã a encontrasse antes de começar a se preparar para o trabalho.

Um dia após o outro, era assim que se seguia.