O presente

Fechei os olhos e lá estava ela. Estava sentada bem na minha frente e me olhava com olhos grandes e vívidos. Eu, relutante que era, sentia-me desconfortável e desconfiado. O lugar era todo branco como um quarto de hospício e ela era velha e tinha um sorriso sarcástico. Então eu lhe perguntei: _Quem é você?

E a anciã respondeu: _Você entenderá.

Aquilo foi intrigante, então eu comecei a questioná-la a respeito de algumas coisas. No meio da conversa, eu fui percebendo que ela não se irritava com minhas perguntas; pelo contrário. Tinha uma calma irritante que beirava a apatia. Aos poucos eu fui entendendo de quem se tratava. Eu só não entendia o motivo pelo qual eu estava ali e onde estavam meus amigos e familiares. Cheguei a pensar que estivesse morto.

Quanto mais conversávamos, mais eu perdia a noção do tempo. Houve um momento em que eu pedi que a velha senhora esclarecesse alguns pontos importantes para mim. Àquela altura, eu já sabia quem era. Eu lhe perguntei: _Por que eu nasci diferente das outras pessoas?

E ela respondeu: _Todos são diferentes entre si. Todos têm qualidades e defeitos. Você nasceu como tinha que nascer e deve cumprir a sua missão.

_Que tipo de missão?

_Não cabe a você perguntar isso; apenas cumpra o seu papel. É de suma importância que você seja assertivo, sem deixar que as maldades alheias te desviem do seu caminho; sem deixar que os outros façam com que você se sinta inferior. Você vai entender o quão importante você é para as outras pessoas, mas isso levará tempo.

_E por que eu perdi tanta gente?

_Você não os perdeu. O que aconteceu foi que eu estive com essas pessoas enquanto elas cumpriam suas missões na Terra. Por ordens superiores, eu tive que deixá-las. De qualquer forma, não cabia a elas me segurar por muito tempo, algumas apenas conseguiram prolongar um pouco a minha estadia. Elas tiveram que te deixar porque eu as deixei. E só o fiz porque já não era permitido que com elas eu permanecesse. Além disso, quando algo lhe é “tirado”, outra coisa lhe é dada para que você possa continuar. Aprenda a valorizar o velho e o novo, respeitando cada um de seus momentos.

_Entendo. E por que tanto sofrimento, quando, na verdade eu apenas queria amar e ser amado; ser feliz como todo mundo...?

_O tal sorriso sarcástico voltou ao rosto enrugado daquela mulher, que parecia cada vez mais cansada. Ela, muito calmamente, me respondeu: _Veja bem: em primeiro lugar, eu não apareço como velha para todo mundo que vem aqui. Eu sou apenas o resultado da visão que você tem dos acontecimentos. Para alguns, eu pareço uma jovem roqueira, para outros, sou uma professora balzaquiana de balé... Para você, eu sou uma velha de 80 anos. Agora, respondendo a sua pergunta, eu te digo: você tem o livre arbítrio. Não me culpe de seus fracassos. Eu sou um presente para você, que deve cuidar de mim como um pai de um bebê. Aprenda a assumir os seus erros, que por sinal, aconteceram em virtude de você esperar demais dos outros. Iludidos sofrem mais e amargurados, apesar de se protegerem, não vivem. Você também precisa parar de acreditar que só é possível ser feliz acompanhado. Você deve agradecer o que lhe foi dado, pois há quem não tenha alguém tão especial. Além disso, muitas pessoas têm relacionamentos considerados inabaláveis e amargam a apatia trazida pela rotina. Elas não têm o que você tem. Valorize tudo que você tem, sabendo que, mesmo que um dia você sinta que perdeu isso, não será completamente. Você ainda o terá por dentro, através de lembranças alegres e de tudo, mesmo dos acontecimentos ruins, você poderá tirar algo de bom.

Meus olhos encheram de lágrimas e eu abracei a velhinha, deixando de questioná-la. Nesse instante, ela tomou conta de mim e, enquanto o meu coração se enchia de paz, eu abri os olhos e acordei.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 23/03/2015
Reeditado em 24/03/2015
Código do texto: T5180667
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