Leitura da Rua (4)
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Canto agônico !
 
 
Entrei no carro e vi que seu relógio marcava 00,01 minuto do dia 21 de novembro.
 
Havia acabado de sair de um encontro com amigos, onde bebidas e comidas eram fartas.
 
Estava feliz, porém, não precisei andar três quarteirões para que este estado se dissipasse.
 
Num semáforo observei uma jovem grávida que mendigava algumas moedas, que ao se aproximar do carro ao lado, de imediato o motorista fechou o vidro.
 
Ela saiu cabisbaixa.
 
Veio até mim e lhe dei um valor e iniciei uma conversa rápida enquanto aguardava a cor verde do semáforo e lhe disse:
 
- Moça o que você está fazendo até uma hora desta na rua, neste estado que você está ?
 
°       °        °       °       °
 
O semáforo abriu, mas não sai, liguei o pisca alerta insinuando uma avaria no veículo e continuei a conversa com a moça que depois soube se chamar Lívia.
 
°       °        °       °       °
 
Respondeu:
 
- Não tenho outro jeito, no mundo sou e minha mãe e preciso pedir, pois se não fizer isto não temos como comprar uma colher de feijão pra comer.
 
E completou:
 
- Fico aqui à noite, pois embora algumas pessoas tenham medo de mim, outras têm mais dó e me dão dinheiro.
 
Em seguida passou a mão no rosto para limpar a lágrima e com voz chorosa, sem dizer uma palavra dobre o valor que lhe havia dado:
 
- Obrigado por ter conversado um pouco comigo.  Estava precisando disso, preciso viver um pouco mais, ao menos até que meu filho nasça.  Faltam alguns dias.
 
E acariciou a barriga.
 
Agora quem passou a mão no rosto fui eu.
 
Aquilo me soou como um canto agônico, por ter, ao se referir ao momento mágico do nascimento de seu filho como o som de um cântico, e com o de agonia ante a incerteza dos momentos que vivia. 
 
Isto não era senão um canto agônico.
 
Foi realmente um momento de indescritível relação de confiança, pois como que agradecendo as palavras que trocamos me disse:
 
- Moço vai embora, este lugar aqui é perigoso, tem muitos assaltos.
 
- Tchau Lívia.
 
- Tchau. Obrigado pelo senhor ter conversado um pouquinho comigo, estava precisando disso. 
 
- Hoje vou embora com o coração aliviado.
Brasilino Neto
Enviado por Brasilino Neto em 23/11/2014
Reeditado em 19/06/2016
Código do texto: T5046233
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