Patético

Claro que essa história não aconteceu em um grande centro, onde a simples presença de alguém parado na calçada já é motivo de recuo e até os flanelinhas são suspeitos.

A cidade do ocorrido é bem mais tranqüila, apesar de já estar sofrendo algumas mudanças.

A jovem mãe, depois de apanhar o filho na escola, aproveitando estar de carro, resolve ir rapidamente ao mercado. Rua tranquila, ela estaciona o carro nas proximidades do mercado. Ao sair do carro, um sujeito maltrapilho aproxima e pergunta:

-Oi madame, posso tomar conta do seu carro?

A jovem responde

- Não precisa.

O homem insiste

- É só por uns trocados.

A jovem observa o jeito expansivo do homem, que apesar de maltrapilho mantinha um ar sorridente.

Pensa na miséria daquele homem. Estaria com fome?

Complacente responde:

-Trocado? Não tenho. Mas se quiser alguma coisa do mercado..

O homem dá de ombros. Em seguida acrescenta:

_ Quero sim, madame. Quero um antitranspirante.

- O que mesmo? Pergunta a jovem perplexa: Um desodorante?

-Isso mesmo.

A jovem sentiu vontade de rir. Aquilo era surreal. Nem ela falava antitranspirante. Havia imaginado que ele pediria algo para comer, mas nunca um desodorante. Já ia seguindo em direção ao mercado, quando, o homem, que não era nem um pouco perfumado, completou:

-E se for possível dá pra trazer um creme de cabelo para minha mulher?

A jovem não estava acreditando. Tudo era, estranhamente, cômico.

Segurando a mão do filho encaminhou-se, aturdida, para o mercado. A situação era hilária.

Fez as compras, e na saída lembrou do mendigo que se preocupava com a transpiração.

Automaticamente encaminhou-se ao setor de perfumaria. Escolheu um desodorante e um creme para cabelos. Verdade que dos mais baratos.

Saiu do mercado em direção ao carro.

Observou que o homem, não estava por perto.

Entrou no carro com o filho e só então avistou o sujeito sentado à distância.

Falou com o filho: “Não posso voltar pra casa levando desodorante e creme que nem uso”

Saiu do carro, chamou o pedinte, e entregou-lhe os tão sonhados “objetos de desejo” que não nos cabe explicar.

Retornou ao carro e ficou apreciando, à distância, o que veria a seguir.

Pra sua surpresa, notou uma mulher, de aparência tão necessitada quanto à do homem, que gesticulava, gritando e brigando com o companheiro, enquanto ele tentava se explicar, tendo como argumento o tal creme de cabelos, que havia "comprado" pra ela.

A jovem pensou: Deve ser a mulher dele... Ambos unidos na mesma miséria e nos irônicos conceitos de que tendo cabelos macios, e usando antitranspirante, estarão integrados aos padrões sociais.

Imaginou como seria a noite dos dois, e que qualquer julgamento sobre eles seria irrelevante.

Entre sorriso e perplexidade, a jovem deu partida no carro... Ainda teria que explicar, aos de casa, que atendeu ao pedido porque:

Nem só de pão vive o homem

Lisyt
Enviado por Lisyt em 27/10/2014
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