A sua vida poderia ser mais emocionante - "Allejo é 7"

Nota do autor: curiosamente, a premissa desse texto é bem parecida com a do filme "A vida secreta de Walter Mitty".

A sua vida poderia ser mais emocionante - Texto 1

Numa terça-feira pela manhã, mais ou menos às 7:45, começo o meu dia de trabalho. Aula para uma turma de terceiro ano do ensino médio. Enquanto apago o quadro que o bendito professor de física ou química ou matemática deixou totalmente preenchido, já vem algum aluno perguntar ou pedir ou falar alguma coisa sem sentido. Confesso que nem lembro o que foi. Quando respondo, com a voz rouca, a figura me pergunta:

- ué, você está rouco?

- não, não... estou tentando te seduzir.

Eis aí uma resposta que pode pegar mal independentemente do sexo do indivíduo. Caso seja uma menina, ela pode pensar que o professor – eu, no caso – está falando a verdade e se apaixonar. Tudo bem que não sou um padrão de beleza, mas convenhamos que a minha função atiça a libido feminina. Imagina, chegar numa sala de aula e proferir “esse é um caso de oração subordinada adverbial condicional reduzida de gerúndio”. Isso nem parece português, e como mulher adora gringo, né. Se for um rapaz, pior ainda, no lugar de pedir para jogar Call of Duty comigo, vai querer recitar poesias num celeiro com claraboia para admirar o luar.

(Caro leitor, para o parágrafo anterior fica mais interessante, imagine as ações nele descritas tal qual um flashback em Lost, por favor).

Voltando à aula...

- oi?!

Essa é uma fala bem comum das pessoas para mim. Realmente os gênios são sempre incompreendidos.

- É, estou rouco, acho que foi a dor de garganta que tive esses dias.

- Cara, melhor você falar que foi a um show, que foi a um jogo, algo do tipo... assim parece que a sua vida é mais emocionante, saca?!

Infelizmente, tive que concordar. Vamos à aula.

- Bom dia, senhores, estamos todos aqui reunidos...

- Professor, você está rouco?!

O que responder?

(a) Não, estou tentando te seduzir.

(b) Sim, tive uma dor de garganta muito forte esses dias.

(c) Fui a um show esses dias e fiquei assim.

(d) Fiquei xingando os jogadores do Botafogo o jogo todo e fiquei assim.

Acho que a letra “c” é a melhor alternativa.

- Pois é, fui a um show ontem e fiquei assim.

- Professor, show numa segunda? Onde? De quem?

Tensão. Quem faz show numa segunda? E outra: responsável como sou, jamais iria a um show numa segunda tendo que dar aula no dia seguinte. Melhor pensar rápido, minha credibilidade está em jogo.

- Er... um show da minha banda!

- Você tem banda?!

Não sei por que, mas essa pergunta foi feita por um indivíduo que segurava o riso.

- Sim, sim.. tenho.

- Qual é o nome? Toca o quê? Onde vocês fizeram o show?

Tantas perguntas em uma só. Acho que foram as perguntas mais difíceis que já me fizeram nesses poucos anos de magistério.

- Er.. “Allejo é 7”. A gente toca músicas de desenhos animados, games, seriados, filmes... fizemos show numa convenção de animes.

Grande parte da turma riu. Muito.

Outros ficaram indiferentes.

Os nerds piraram. As minas não.

...

Agora, uma explicação ao leitor ignorante. Na década de 90, havia um jogo de vídeo-game chamado “International Superstar Soccer”, um embrião do que é hoje o “Pro Evolution Soccer”, amado por poucos e odiado por muitos. Naquela época, por alguma questão burocrática, era proibido usar o nome original dos jogadores nos times presentes no jogo. Assim, criavam denominações como “Premoli” e “Galfano”, craques da seleção italiana, e “Allejo”, o camisa 7 e craque do Brasil.

(Veja no youtube um documentário sobre o tal Allejo)

Por que pensei logo nesse nome para a banda? Bom, no vídeo-game sempre consegui ser a estrela que nunca fui na realidade dos campinhos de terra da Fazenda Botafogo, bairro do subúrbio carioca. Assim, projetei, rapidamente, essa imagem para outro desejo, o de ter uma banda aclamada pelo público e, principalmente, pelas groupies com decotes e shorts bem curtos. Se o cara que tocava violão na faculdade já monopolizava a atenção das meninas, imagina eu rockstar.

(mais um flashback aqui, por favor. Vale aquele dia em que fraturei três costelas tentando dar uma bicicleta)

(outro aqui, das vezes em que fiquei com cara de bunda na rodinha de violão enquanto via as meninas suspirarem com o cara da facul)

...

- Professor, não tinha nada melhor para você tocar?

- Piiiiiiiiiiiiiii (censurado para o horário).

- oi?!

- Se eu fosse você, respeitaria Goku, Seiya e companhia!

- Quem é “companhia”?

Se fosse em Malhação, o sinal tocaria agora, a aula acabaria e eu não precisaria responder pergunta tão idio... digo, incabida.

- Continuando, pessoal, vocês não pagam a escola para me ouvir falar da minha banda. Nesta poesia aqui, o eu lírico....

- Professor, continua falando da banda, é mais interessante do que isso aí!

Não sei se me sinto bem por algo relativo a minha vida (imaginária) ser interessante aos outros ou se me sinto mal por ter meu trabalho desvalorizado.

Continuei falando sobre a minha banda. Na verdade, inventando histórias sobre ela. A aceitação e a empolgação de todos me espantam. Vejo muitos, inclusive, mexendo no celular enquanto falo. Aposto que já estão pesquisando sobre a “Allejo é 7”. #SóQueNão.

Enfim, o sinal toca. A notícia se espalha pela escola: nas outras turmas, todos perguntam sobre a minha banda. Querem saber de músicas, vídeos no youtube, camisetas, ingressos para os próximos shows...

Precisarei agir assim que chegar em casa.

1) Pesquisar músicas de seriados, desenhos, games, filmes: fácil.

2) Aulas de canto e de guitarra: fácil, tem uma escola de música aqui perto.

3) Arranjar integrantes para a banda: Oops...

Convenhamos que nem a etapa 2 é tão simples assim. Mal consigo fazer esteira sem segurar na barra de proteção, imagina tocar guitarra e cantar ao mesmo tempo. Pelo menos já sei por onde começar, e quando: aulas iniciais marcadas. A 3, então, nem se fala. Se mal tenho amigos, como arranjar indivíduos para formar uma banda comigo?! Uma banda é um grupo de amigos, uma família... um casamento! Será que no Parperfeito eu encontro baixistas, bateristas e afins? Melhor nem tentar o Orkut, lá só encontrarei funkeiros, pagodeiros e coisas do tipo.

Inicio a minha busca.

No Parperfeito, acho que sem querer escolhi a opção “milf”. Afinal, só encontrei mulheres acima dos 40 que dizem achar Roberto Carlos um “pão”. Redefinindo a minha busca, acho que fui para outro extremo, visto que só achei meninas fãs de Justin Bieber, One Direction e, pasmem, Felipe Ô Menina Deixadisso Quero te Conhecer Dylon. Procurando um meio-termo, encontrei uma menina linda, com jeito de rockeira, ruiva tipo Jean Grey + Mary Jane. Nas suas preferências, vejo que gosta de Legião Urbana, Los Hermanos, Titãs... bom, e se ela não souber tocar algum instrumento? Ué, pode ser minha namorada. Hum... com um monte de groupies, será que vou querer uma namorada? Confusão mental.

Continuo.

Para não pegar mal, fecho o “Parperfeito” e entro no Facebook para encontrar novos integrantes. Afinal, pesquisar por homens num site de relacionamentos assim poderia pegar mal para mim. Descubro que o Face tem vários grupos com pessoas se oferecendo para formar uma banda, outros procurando integrantes também. Como descrever essa busca virtual não seria lá muito interessante para você, caro leitor, pularei esta parte.

Conheci alguns candidatos para o “mega projeto de formar uma banda com um estilo jamais visto antes” e marquei entrevista com cada um deles. Lógico que não foi na minha casa, afinal, esse pessoal de internet é muito perigoso, marquei os encontros na Vila Mimoza, só para dar um ar underground à iniciativa.

Entre mulheres de vida fácil (feias, diga-se de passagem), funk, cerveja barata e homens estranhos, chega o primeiro candidato. Um sujeito gordo, barbudo e com boné de meme. Bem underground, verdade.

- Fala aí, o que você toca?

- Ah, eu sempre toco quando acesso o Piiiii!

- Não, cara, não é isso. Qual instrumento você toca?

- Ah, não toco nada, não. Só vim porque você disse que a entrevista seria na VM.

Próximo!

- Quanto é o programa?

Próximo!

- Eu te conheço de algum lugar...

- “Desde quando te encontrei, já não pude te esquecer... foi bom sonhar com você!

- Oi?! Cara, por que você está aqui?

- “Eu acho que pirei, meus pés saíram do chão...”

- Err.. você tinha uma dupla com a sua irmã, né, sei que ela tem carreira-solo, e você?

- “Eu cresci, agora sou mulher. Tenho que encarar com muita fé...”

Próximo!

- Dioooooooooooogoooooooooooo!

- Você?

- Mestre, eu quero participar do processo de seleção!

- Cara, como você chegou aqui?

- Ahhhh, tomei meu leite com pêra, peguei o bus do condomínio e vim!

- Nossa. E o que achou do lugar?

- Bom, fiquei com nojinho, né, mas está valendo a pena!

- Hum, tá bom. Não imaginava um aluno por aqui, mas fazer o que, pelo menos será submisso, né.

- Sub... o quê?

Próximo!

- Olá, boa noite...

Quem chega para a entrevista agora é um senhor de idade.

- Melhor agora, não sabia que havia rapazes aqui também!

Próximo!

Próximo!

Próximo?!

Pelo jeito, não consegui atrair muitos interessados para a minha empreitada. Saio rapidamente do bar que usei como escritório e procuro a saída daquele antro de perdição, quero voltar para casa. No caminho, vejo um grupo um tanto quanto peculiar (entenda "peculiar" como estranho) e me aproximo.

Eis as descrições:

Um cara que mais parecia um cosplay do Ash Ketchum.

Um tipo esquisito com camisa do Iron Maiden, calça camuflada, all star e um copo de Ovomaltino na mão (figura digna de respeito)

Um outro com o cabelo estrategicamente mal cortado (alguém vai ao barbeiro e pede um corte estilo Mickey?), camiseta do Sr Madruga (ok, ganhou pontos comigo) e crocs (o que você faria se o seu filho usasse crocs?).

- E aí, pessoal, tudo bem?

- Ah, tudo ótimo, enquanto outros estão por aí com suas namoradas, estamos numa zona de baixo meretrício para uma reunião de cópula!

Nossa, não imaginava encontrar alguém tão irônico quanto eu.

- Er.. quando se pergunta se está tudo bem, você não necessariamente precisa dizer que não está, falar como foi seu dia, contar o histórico de doenças da família ou coisas do tipo, basta falar que está.

cri cri cri [/sonsdegrilo]

- Vamos começar de novo.. tudo bem, galera?

- Tudo.

Quase um coral.

- E aí, fazendo o que por aqui?

- Bom, enquanto uns se encantam com Neymar e Ganso, os "Meninos da Vila", nós procuramos "As meninas da vila".

Seguro o riso.

De novo.

- Entendi. Mas, só uma pergunta, vocês gostam de música?

- Claro, com esse funk alto tocando pro aqui, estamos com vontade de descer até o chão chão chão.

- Não, não é isso... é que achei o estilo de vocês parecido com o meu (acho que vou me arrepender ou queimar o meu filme dizendo isso, mas fazer o quê?).

- Você achou o seu estilo parecido com o nosso?!

É impressão minha mas sofrerei bullying e serei excluído por um grupo de nerds criados pela avó no quarto dos fundos e alimentados a ovomaltino e leite com pêra?

- Sim, por quê?

- Bom, de onde viemos, isso não é um elogio ou motivo de orgulho. Você curte auto-flagelação?

O cara fala difícil, talvez conseguirá escrever algo que preste.

- Não, nem auto-gratificação.

- Percebemos, tanto que está logo aqui na VM.

- Bom, mas não vim para usufruir dos serviços dessas profissionais...

- Sim sim sim, em coro.

- Vim para fazer umas entrevistas.

- Oi?! Um respondeu.

- Está fazendo um documentário? O outro perguntou.

- Bela desculpa. O terceiro retrucou.

- Eu queria parecer um tipo empreendedor desses bem diferentes, por isso escolhi logo a VM.

- Se queria parecer alguém bem diferente, convenhamos que não precisava se esforçar tanto. Disse o primeiro.

- ou então bastava arrumar uma sala, colocar uns puffs e calçar crocs, né. Completou o segundo.

Apenas deu um gole no Ovomaltino o terceiro.

(onde ele arrumou essa iguaria por aqui?)

(continua...)