Amizade adormecida

O dia estava declinando quando percebi que já era tempo de voltar para casa.

O céu de um azul avermelhado era convite para permanecer um tanto mais.

Finalmente o sol se escondeu no horizonte sem fim, e vagarosamente sacudi as areias e coloquei-me a esperar o sinal verde para seguir meu caminho.

Uma voz vibrante gritou meu nome. Volvei-me bruscamente e desequilibrada quase fui ao chão, mas a tempo do dono daquela formosa voz me tomar pelo braço.

Não conseguia lembrar aquele rosto, testa saliente, olhar vivo, poucos cabelos acastanhados, marcas da idade que o tempo acossa todos nós, mas sua voz tinha traços de familiaridade.

Para refazer-me do susto, fui conduzida a um quiosque e gentilmente ele pediu uma fresca água de coco. Sentamos e enquanto tomava sentindo aquele verde sabor da água, ele me fez relembrar exatamente os tempos do Ginásio. Lá em seu escritório após as aulas, ia aprender datilografia e trocávamos idéias e sugestões sobre nosso futuro profissional. Tornamo-nos grandes amigos e mais tarde ele me salvaria do meu prognosticado destino.

Com raras possibilidades de continuar os estudos, piedosamente ele redigiu carta para o Superior de uma Escola Técnica do bairro, e recomendou-me imediata visita à Escola acompanhada do responsável.

No dia seguinte, eu já estava assistindo as aulas, com a bolsa de estudos que me fora concedida.

Por certo, na vida esta fora minha maior recompensa e jamais será esquecida.

Estudar deu-me chance do conhecimento, e melhores oportunidades.

Na torrente de minhas confissões, veio à tona sentimentos que marcaram e golpearam indelevelmente nossa amizade.

O veneno sutil do interesse transformou-nos medíocres, encerrando uma amizade de irmãos.

Uma enorme geleira afastou-nos, nada restando do tão puro e belo sentimento. Ele seguiu impávido seu caminho, por certo de grande sucesso, enquanto do outro lado da cidade, também eu fui desbravar as melhores oportunidades. Muitas barreiras foram vencidas, mas, a ele, somente a ele, devo eterno agradecimento.

Este repentino encontro fez-me de modo repetido, lembrar que este homem, semeou largamente sentimento profundo de amizade.

Com extrema verbosidade, relatou seus grandes feitos profissionais e particulares. Escolheu por fundo gosto, seguir a carreira de educador. Ensinar se tornara seu recurso secreto para ver emergir talentos naquela pobre localidade.

Casou-se com uma mulher especial, e dessa união nasceram quatro filhos homens, todos já crescidos. Estava feliz com a vida que escolhera.

Muito mais altiva fiquei, por estar em presença de figura com matizes vivas de virtuosidade.

Restava-me lamentar a distancia que o tempo se encarregara de colocar no nosso caminho e privar-me de tão nobre amizade.