Crônica Natalina



 
Natal é um tempo de rever como anda nossa forma de agir como cristãos.
E foi pensando nisso que me recordei de um fato que ocorreu numa das cidades em que morei, no sudoeste do Paraná. Interessante que os paranaenses, de um modo geral, possuem um tripé que orienta a educação dos filhos: a família, o trabalho e a igreja.
Mas naquele dia, 24 de dezembro, esse tripé ficou meio que abalado  nas suas estruturas.
O pároco da Igreja viajou por conta de doença no seio de sua família consanguínea, e o bispo teve que delegar outro padre para substituí-lo naquele momento de festa cristã.
A igreja encontrava-se abarrotada de gente: crianças, adolescentes, jovens, casais, idosos, enfim, as famílias se fizeram presente na comunidade religiosa, cuja padroeira era Nossa Senhora de Bom Sucesso.

 
Comunidade pequena de interior, ali, todos se conheciam. Qualquer pessoa estranha, naquela localidade, seria imediatamente, reconhecida.
A celebração transcorreu normal, como manda a Santa Liturgia da Madre Igreja Católica Apostólica Romana. Mas o que ninguém imaginava ocorreu,  para "surpresa" de todos.
Antes da bênção final, o Pe. Hermenegildo pediu que todos se sentassem, pois ele tinha uma interessante história para compartilhar com a comunidade.
A solicitação foi imediatamente atendida. Todos se sentaram para ouvir o que o  Pe. Hermenegildo necessitava contar de tão importante.
Desenvolveu-se, naquele momento, um sintomático mecanismo de curiosidade e espanto. O Pe. Hermenegildo começou a relatar que  residia a mais ou menos  cem quilômetros de distância, na paróquia da cidade de Dois Vizinhos.  No decorrer da viagem  encontrou na estrada um casal com uma criança recém-nascida, bem carente, desprovido de condições para chegarem ao seu destino. Eles lhe pediram carona. Em seguida, apresentou o casal com a criança para  a comunidade. Segundo o Pe. Hermenegildo, não é aconselhável dar carona a quem não conhecemos, pois nos dias de hoje não se sabe quem é bom ou quem está mal intencionado. Porém, aquele casal tinha alguma coisa de especial que lhe fizera parar e dar a carona. Eles deveriam prosseguir viagem no dia seguinte, mas justo aquela noite precisariam de uma família que os acolhessem em casa. Então se criou um tumulto dentro da igreja. Um olhava para o outro com cara de “quem vai encarar?” Quem teria a coragem de levar pra sua casa um casal com uma criança, justo naquela noite de festa, em que todos tinham um único desejo: “Chegar logo em casa para iniciar a Ceia Natalina com seus familiares.”

 
Após alguns minutos de silêncio, o Pe. Hermenegildo, percebendo a dificuldade de encontrar uma família que acolhesse o casal com generosa alegria natalina, começou a demonstrar sinais de profunda preocupação, dizendo: Bem , povo de Deus, se alguém não se manifestar terei eu que levá-los para minha paróquia? Porque, sinceramente, não tenho coragem de deixá-los a mercê do tempo, que pelo visto não demorará a cair água.
Ainda assim, ninguém se manifestava. Até que uma pessoa idosa criou coragem e foi falar ao pé do ouvido do Padre  alguma coisa que o teria deixado mais animado. Era uma senhorinha que aparentava ter mais ou menos, uns oitenta anos, e que pelo visto foi administradora de um abrigo de idosos, até os seus setenta anos. Ela propôs ao Pe.Hermenegildo que levasse o casal com o filho pra o tal abrigo de idosos, aonde ficariam bem protegidos das intempéries do tempo.O Padre sorriu e balançou a cabeça como se tivesse aceito a proposta.

 
Por fim, para completar a confusão gerada, uma criança, espontaneamente gritou: Eu empresto o meu quarto pra eles seu padre! Imediatamente foi advertido pelos pais, que procurou contornar a situação dizendo ao filho: Mas como, querido, se teu priminho já está dormindo lá. Infelizmente, disse o pai da criança, com voz aveludada, não temos lugar. Nossa casa é grande, todavia neste dia de Natal recebemos tantos parentes que, às vezes, nos falta  até lugar.
Todas pessoas já estavam estressadas, nervosas com a situação irresolúvel, foi quando o Pe. Hermenegildo, decidiu então,pedir licença pra falar novamente à assembleia.

 
- Bem povo de Deus essa história aconteceu a dois mil anos atrás, quando José e Maria procuravam um lugar para repousar, na cidade de Belém, e não houve quem os acolhesse. Dois mil anos se passaram e pelo que presenciamos, aqui hoje, a história se repete. Notoriamente ninguém tem lugar para acolher esse casal, em sua casa. Se eles fossem José e Maria, hoje provavelmente, Jesus nasceria outra vez, em uma manjedoura, na gruta em Belém e ao redor, não de gente, mas dos animais.
Quis fazer um teste com vocês, não há casal e recém-nascido algum,este casal aqui é uma representação que fizemos, mas vejo que se esta história fosse real, não teríamos uma família para acolhê-los nesta noite de Natal. Talvez tivessem mesmo que ir para o abrigo. E provavelmente, não seriam bem recepcionados, é que neste dia também eles ficam revoltados, por desejarem estar com suas famílias.
A comunidade em choque saiu da igreja aliviada, por não ter que dormir com a consciência pesada. Mas sabem, houve muitos que criticaram o Pe. Hermenegildo, por tê-los feito atrasar a Ceia por conta de uma mentira tão estapafúrdia.
Alguém disse:
_Esse Pe. Hermenegildo é maluco mesmo! Mereceria uma coça nesta noite de Natal! 
Detalhe. O povo saiu como uma boiada estourada da Igreja, e pior, esqueceram de desejar ao Padre e aos amigos _ "Um Feliz e Santo Natal".
Será que estamos regredindo, perdendo a capacidade de nos amarmos mais, para assim nos capacitarmos a amar o próximo?
Air
amel.