O urro do burro

A Revolução botava o Brasil nos trilhos - enquanto eliminava as ferrovias - e o

Missanta nem hesitou: com os quarenta e cinco contos que a Companhia lhe pagara de

indenização reformou a casa e comprou uma carroça. Não ia mais dar burradas.

A casinha ficou um brinco, com sua laje escondendo aquelas telhas enfumaçadas,

cheias de e picumãs. O que se viam agora eram as belas estrelas vermelhas que lhe

dera na cabeça pintar, sem nada ter a ver com um Prestes ou um PT que ainda levaria

tempo pra germinar.

O sustento agora, além de uns cobres que haviam sobrado e foram colocados na

poupança, viria do burrinho pro qual não haviam de faltar capim ou carreto. E o

chicote entrou em ação.

Missanta, que era Antônio por batismo, mal se lembrava que ganhara o apelido ainda

piquitito quando, tentando abrandar a brabeza do pai, reagia com choro e sangue

gritando, ou querendo significar, "assim você me sangra, pai". Do me sangra ao

missanta, a mudança não fora tanta. Já o burrinho, aguentou só mais um tantinho.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/09/2013
Código do texto: T4482244
Classificação de conteúdo: seguro