A estrada de Theodoro

Theodoro vagava pela estrada de terra batida. Tinha a pele curtida, um rosto sofrido, e um olhar distante.

Ouvia, ao longe, o mugir do rebanho sendo recolhido. E pelo farfalhar das árvores, soube que aí vinha chuva.

Não que importasse muito.

Preocupava-se mais com a paisagem, que a cada dia, parecia mais escura.

Mas seus pés descalços conheciam muito bem o caminho. E também sabiam que ainda precisavam aguentar seu corpo pesado por mais uma hora, então não adiantava ter pressa.

Nem conseguiria, mesmo que quisesse.

Não percebeu, mas seus passos ficavam mais lentos a cada dia. Se esforçava, mas suas mãos calejadas não tinham mais a mesma agilidade com a foice. Se cansava fácil, e aquele vigor invejável já se fora há muito tempo. Estava ficando preguiçoso, cochichavam.

Divagou sobre coisas abstratas e eventualmente chegou à sua humilde morada.

Calado, empurrou a porta e sentou-se na pequena cama de palha. Nem se importou em acender o lampião, conhecia muito bem cada canto da pequena casa onde vive desde quando alcança sua memória.

O vento frio assoviava pelas frestas das paredes de pau-a-pique.

Começou a chover.

Depois de um suspiro, alcançou a garrafa com o copo virado na boca. Só tinha o suficiente para encher o copo até a metade.

Colocou os poucos cruzeiros do dia em cima da mesinha. Soube que só poderia ter outro gole se for no fiado novamente.

Deveria ter fome, mas ao olhar para a pequena cozinha, só viu uma panela enegrecida e um velho calendário esquecido na parede.

Procurou melhor, mas não encontraria mais a companheira Juçara. Dela só ficou uma coleção de sonhos em forma de recortes de revista.

A bendita só sabia reclamar da vida, mas fazia uma comida boa e lhe dera várias alegrias. Claudemir, Vandréia, Aldair, Genival... e o bebê que nem chegou a receber um nome.

Nenhum dos filhos ficou. Nem os vivos.

Ficou lá, em silêncio, no escuro, ouvindo as goteiras e o coaxar dos sapos.

Depois de algum tempo olhando para o teto, pegou no sono.

Theodoro, no dia seguinte, não foi trabalhar.

Sua alma estava finalmente livre de toda essa solidão.

Miguel do Lucari
Enviado por Miguel do Lucari em 05/09/2013
Reeditado em 12/06/2021
Código do texto: T4468630
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