164 – A ESPERA...

Ela está sempre sentada na varada da sua casa, cabelos longos, grisalhos, soltos ao vento, rosto enrugado talhado pelos seus mais de noventa anos de idade, sempre sozinha, ares pensativa, ao que tudo indica hoje ela vive unicamente de suas lembranças, o presente parece que para ela deixou de existir, seu mundo agora se resume no relembrar, em meios a estas lembranças das vezes ela sorri, outras vezes fica séria, gesticula, se emudece, das vezes chora, copiosas lágrimas rolam pelos sulcos do seu rosto, são emoções das lembranças de toda uma vida a desenrolar no seu imaginar viver!

Relembrar é praticamente o seu único passatempo, na sua mente ela caminha pelos mesmos caminhos por onde sempre caminhou, caminhos que conhece nos mínimos detalhes, e segue por eles cumprimentando conhecidos e desconhecidos, conversa com o vento, e pensar que ela gostava tanto de festas, principalmente as festas de aniversário dos seus filhos, nas festividades de fim de ano esmerava nos enfeites e nos alimentos, tão cheia de prosa, esbanjava graça e alegrias, magnamente se comportava, adorava se ver cercada pelos familiares e amigos, e hoje se esconde atrás deste mutismo desvairado, vagarosa nos seus movimentos, caminha com dificuldades, faz o uso de uma bengala sem disto se importar, alterna por entre momentos de lucidez e de caduquice, das vezes se lembra de acontecimentos idos com tamanha riqueza de detalhes que até impressiona as pessoas que estão ao seu redor, das vezes se perde totalmente, e nem se lembra se tomou ou não os seus remédios, e nos seus momentos de lucidez gosta de ler os seus velhos e surrados livros, nem sei se realmente os lê, mas por um longo tempo ela os tem nas mãos e fica olhando para as páginas, e as páginas ao sabor do vento vão se alternando.

E ela não se importa com mais nada, já viveu tudo o que poderia ter vivido, agora está na espera, na espera da morte, e aquela atitude plácida, contemplativa, espelha a sua espera, e não se trata de uma espera medrosa, provida de ressentimentos e subterfúgios, enfrentará o imponderável de cabeça erguida, com aquela humildade própria das pessoas benfazejas.

Ela é o que é, sem mais nem menos, nada a acrescentar ou diminuir, se sente uma obra acabada, findada, e não precisa de mais retoques, de penduricalhos para este último encontro, está preparada, já terminou todos os seus trabalhos, já terminou todas as suas obrigações, agora só lhe resta esperar, esperar por este encontro tão misterioso, tão enigmático, e ela sabe que é impossível ocultar os seus erros e temeridades, a alma leva consigo em suas reminiscências, um arquivo de todos os acontecimentos bons ou ruins, que um dia o corpo no capricho dos desejos se permitiu.

Sem nada a ponderar, sublimemente ela irá a este inevitável encontro, e com a certeza que nestes últimos momentos não será dona de si, mas que será amparada, será assistida, que uma mão misteriosa a conduzirá rumo ao outro lado da vida, será uma mera espectadora do seu próprio seu desenlace... Renascera...

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 03/09/2013
Reeditado em 19/09/2013
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