A LOIRA E O GATO ESCALDADO

Era uma loira de olhos azuis da cor do céu e um corpo esguio, muito bonita, embora já tivesse dobrado a faixa dos quarenta.

Sentados à beira-mar conversavam as primeiras palavras analisando-se mutuamente.

Ele acabara de sair de um longo relacionamento e, talvez por isto, agia como gato escaldado, prevenido e com receio de embarcar em outra canoa furada.

Ela, pelo visto, da mesma forma estava à procura de alguém, para tomar lugar do parceiro de quem havia se separado.

Por baixo das escuras lentes dos óculos de sol ele visualizava a pele alva das pernas da bela loira, seu porte elegante e o seu sorriso. Era uma bela mulher, sem dúvida. A questão estética estava solucionada. Ela fora aprovada com louvor. Restava, portanto, a análise dos demais componentes, aqueles que são percebidos nos detalhes ou numa convivência maior, mas que também são de suma importância.

No dia seguinte se encontraram novamente. Deram uma caminhada pela praia, pés descalços, brisa marinha desalinhando os cabelos, mãos dadas, relembrando velhas canções, percebendo preferências e gostos semelhantes. Ele começou a achar que ela era a pessoa que ele havia idealizado: bonita, simpática e inteligente.

As ilusões, entretanto, são como castelos de areia. Vem uma onda e arrasta tudo em um segundo. No terceiro dia que se encontraram ela começou a buscar algo no fundo de sua bolsa. Respirou aliviada quando encontrou um pequeno comprimido que avidamente colocou sob a língua.

– Hora de meu antidepressivo, falou.

Continuaram a conversar e ela olhava insistentemente para o relógio.

- Está com pressa? Tem algum compromisso?

- Tenho consulta com meu ginecologista as cinco e não sei se vai dar tempo de ir à hidroterapia que começa as seis.

- Quem sabe nos encontramos amanhã, com mais tempo.

- Só se for ao final da tarde, porque tenho fisioterapia das duas até as três. Ei, você podia ver na internet se tem a bula de um remédio para dor na coluna? Já tomei tantos, mas já não fazem mais efeito.

- Será que você não é hipocondríaca?

- O que é isso?

- Hipocondríacas são pessoas que sempre imaginam que estão doentes, gostam de ler bulas de remédio, estão sempre preocupadas, são muito sugestionáveis e...

- Ei, eu tenho esta doença. Tenho sim, acredite.

Nessas alturas o sonho de ter encontrado a mulher ideal esfumaçou... Virou espuma.

Nos dias subsequentes a loira telefonou por diversas vezes, mas ele sempre inventava uma desculpa qualquer para não se encontrar com ela.

Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!

E foi o que aconteceu. Vencido pelo cansaço combinou de tomar um café com ela, no apartamento dele, numa tarde de um sábado.

Comprou uns salgadinhos, um pedaço de bolo, um refrigerante. Descartou beber vinho para que não houvesse nenhum estímulo para uma tarde amorosa.

Na hora combinada ela não apareceu. Ele estranhou. Havia insistido tanto.

Uns quarenta e cinco minutos depois do horário marcado ele, impaciente, telefonou para a loira:

- Olá, você não vem?

- Vou sim. Estou atrasada, mas logo chegarei. Estou na farmácia comprando uns remédios.

E, realmente. Não demorou muito e o interfone deu sinal de vida.

Conversaram por horas animadamente. Ela contou todos os males que lhe afligiam, os médicos que consultou, os tratamentos realizados, as clínicas frequentadas.

O vinho acabou indo para os cálices abundantemente, o clima esquentou e...

Beijos, abraços, amassos e tudo mais curaram as dores da bela loira, pelo menos por uns tempos.

Estão até hoje juntos, felizes, lendo bulas de remédios e pesquisando sobre as mais diversas doenças na internet. Já sabem até o que é Acidemia metilmalónica

- Benzinho, não tá na hora da tua consulta?

É! Para as coisas do amor não há remédio.