Estória de Amor

Lígia foi criada a leite ninho. Carinho e mimo até certo tempo. Mesada gorda e boas comidas. Branca. Vestidos expressivos e boas bebidas. Boba. Admiradores secretos e boas visitas. Com o conforto veio a ausência dos pais. Desse paradoxo surgiu um iPhone no último aniversário. Mas é assim mesmo. A vida nunca foi justa para ninguém. Como ser um ser humano? Como criar uma filha? Nem para os pais, nem para os filhos. Dinheiro é (quase) tudo.

Cria o filho, mas não o molda.

Com a idade de doze anos, inocente (leia-se: cabaço), conheceu Rogério. (Como este conto trata-se de uma estória romântica clássica, o enredo não pode ser outro). Sim, Rogério era mais velho. Sete anos. Sem leite, sem ninho. Pardo, cabelo de índio. Experiente na cama e no vocabulário, ou melhor: no palavreado, não na verborrágica, mas na gíria, na língua, na cama... Lígia, deslumbrada, rodou.

Quatro anos se passaram, mas o mundo (leia-se: humano) não mudou. Tudo igual/roda vida. Chacina, pasta de cocaína, paixão, deus, traição, desconfiança, política e o Estado. Tráfico de anfetaminas. Engrenagem do capital. Ricos contra pobres, pobres contra pobres e o falso amor. A crise familiar.

Num dia qualquer Rogério conheceu Fernanda. (E como isto não passa de uma estória ordinária de amor, os personagens não podem ser outros). Sim, Fernanda era um ano mais nova que Rogério, portanto, mais experiente que Lígia. Na cama, na vida. Gostosa. Mulher. Filha de professora. Sujeita ao machismo, se sujeitou a Rogério. Paixão (leia-se: dependência). Sim, ambas. Mas a vida não é justa. Rogério, sujeito feio, sabendo disso, soube aproveitar.

Durante os dois anos seguintes o vai-e-vem foi inevitável, talvez essencial para que o triângulo se mantivesse. A verdade é que ninguém conseguia superar. Não aprenderam (talvez por descuido da família) o que significava desapego. Desapegar é bom, leitor. Sério mesmo. Sinal de maturidade, sim. Confiança. Tem que ter culhão. Acredito (e digo isso porque apenas escutei falar deste bafafá) que o cimento desse causo sempre foi uma relação intersubjetiva de ordem psicológica, com possível compreensão pelo viés psicanalítico. A pequena burguesa gordinha que não queria crescer, o macho-alfa bronco, egoísta, que desejava duas bucetas, e a gostosa insegura perdida no tempo-espaço. Esqueci de comentar, mas Fernanda, mesmo sabendo de todas as traições de Rogério (especialmente dele com Lígia), nunca tomou sequer uma atitude em relação a isso. Chorava, brigava e como toda mulher ingênua, perdoava. Depois tomava no cu – literalmente.

Eu disse que este imbróglio era clássico, portanto o final já é sabido.

Mas talvez a pergunta que surja nesse parágrafo é quem ficou com quem. Ora, Rogério, cristão secular parecia não levar a sério a monogamia. Lígia, no fim das contas, acalentava-se nos aplicativos da Apple – já que no fundo era covarde. Fernanda nunca enfrentou o pai, logo, sempre perdoou Rogério.

Como eram humanos, nada mudou.

Usaram-se até quando oportuno, mesmo quando não era mais saudável, mas quando a saudade batia era inevitável. Inevitabilidade é a afeição no olho do furacão. No caos. Quando a casa cai, quando o tapa paterno vem na cara. O humano se aperta, se junta, depende do outro seja lá por qual motivo, grau ou gênero. Juntos, os três, caminhavam. Feridos, mas nunca viveram tão intensamente, até mesmo no cansaço. São nesses momentos que a dependência pode também ser chamada de amor.

Nunca se sabe, leitor.

Tom R
Enviado por Tom R em 18/12/2012
Reeditado em 15/05/2013
Código do texto: T4041253
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