Antes de alçar voo

(Uma vitória antes do segundo tempo)

Aquele seria o dia mais feliz de sua vida. Se não caísse em si a tempo. O casamento com o homem de seus sonhos (apesar das poucas posses) fora milimetricamente planejado: as melhores louças, os melhores vinhos, uísques, bolo - divino em forma e sabor, Buffet de altíssimo bom gosto e o vestido... Ah! Seu vestido! Ficara uma princesa. Uma princesa não, uma Rainha. Invejada por todas! (A futilidade em forma de oração... Amém!) Casamento em alto estilo, com tudo a que tinha direito!

Faltando apenas 45 minutos para a grandiosa cerimônia, entra em seu quarto de vestir um senhor desconhecido, após leve batidinha na porta, sem ao menos pedir licença, com um sorriso no rosto e a seriedade nas palavras de quem parecia conhecê-la. “Querida, sou aquele que conduzirá sua cerimônia religiosa. Seu pai está muito preocupado e me pediu para ter uma palavrinha com você, antes de nos encontramos lá embaixo. Quero apenas fazer-lhe duas perguntas. As mesmas que fiz a sua mãe, antes de abençoar o enlace de seus pais, que viveram unidos e tão bem por 30 anos.

- Se hoje, como sempre ouço toda noiva afirmar convicta, será o dia mais feliz de sua vida, o que será dos outros dias em que você passará com seu cônjuge, perante as adversidades, bons e maus momentos? Você está preparada para isso?

Mesmo indignada com aquelas palavras, viu-se refletindo nas dívidas e dúvidas que tivera apenas para preparar uma festa, (aliás, ainda não totalmente paga) com muito, mas muito sacrifício. Ficara exausta e histérica, ao ponto de ninguém mais suportar ficar por perto. E os sacrifícios que provavelmente passaria pela frente? Além do mais, não há festa e luxo que pague (ou apague) bons e maus momentos... Não teria mais, ao que tudo indicava, grandes oportunidades em aproveitar cardápios tais quais os oferecidos pelo seu Buffet, ou a melhor carta de vinhos e muito menos as roupas mais caras e chiques, como seu vestido caríssimo. Afinal, seu noivo não era um príncipe encantado, dono de uma fortuna. E ela, recém-formada e, ainda por cima, desempregada! É, mas o amor os levou até ali... Mas estaria disposta a abdicar de seu trono de mimos e acercar-se de vassouras e panos de chão? Saberia lavar louças sujas, emporcalhadas, ao invés de fazer coisas muito mais interessantes e condizentes com aquela mulher ali, em frente ao espelho, lindamente maquiada e penteada, num porte de deixar qualquer um de boca aberta? Aliás, nem se parecia consigo mesma... Ai! Observou-se novamente, com a visão mais límpida, e o futuro que viu no espelho a assustou: uma mulher frustrada, pálida e vestida com simplicidade, infeliz por ter perdido o brilho e frescor da juventude de forma tão rápida. E o pior: enganada por si mesma, porque o noivo, esse nunca lhe prometera um castelo.

[...]

Quando o som da marcha nupcial tocou para a entrada triunfal da noiva, todos se viraram e, estupefatos, viram a tão esperada rainha entrar de forma altiva, mas simples e discreta: todo o brilho anunciado por meses deu passagem a uma mulher surpreendentemente amadurecida e com saias a menos num vestido que, ao que parecia, foi deliberadamente modificado. Mais bonita do que nunca, foi quase que aplaudida pelos verdadeiros amigos. Ali entrava uma mulher de verdade, pronta para encarar uma relação - pleonasticamente “bem de frente” - mais forte do que nunca.

O noivo, boquiaberto e surpreso pensou: “Essa é a mulher que eu amo. Parece-me que está pronta, finalmente, para a vida que posso dar. Seus olhos mudaram de expressão, seu semblante é de alguém sem mimos... Agora eu a vejo madura para trilharmos nossa vida juntos... Amanhã cedo darei a notícia de minha promoção na empresa; ela vai valorizar esse fato de outra forma, tenho certeza - pelo que vejo... E pensar que cheguei quase a desistir desse casamento, dada a energia dela ao pensar só em gastos e futilidades... O que pode ter acontecido? ”

Durante a cerimônia, enquanto o celebrante falava sobre uniões construídas em bases sólidas e não sobre “castelos de areia”, deu uma piscadela para a noiva, num tom de cumplicidade. O que passou despercebido por todos, fez para ela todo o sentido do mundo. Seu casamento acabara de ser salvo, antes mesmo de consagrado...

Olhou para o lado e sorriu em comunhão com o pai - em agradecimento ao presente maior que lhe fora dado.

Luzia Avellar
Enviado por Luzia Avellar em 08/11/2012
Reeditado em 10/11/2012
Código do texto: T3974916
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