GREVE DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS

GREVE DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS

Ana Liría trabalhava a mais de vinte anos com a família Pinho Paiva aos quinze anos de idade envergonhada, entrou pela porta agarrada a mochila rosa. Zé Roberto e Deise ambos de vinte e poucos anos entregaram seu filho Pietro e a casa confiantes. Nasceram outros filhos, Ana Liria casou, teve os seus, as crianças brincavam juntas sem diferenças. Os pais eram amigos, existia liberdade sem ultrapassar os limites patrão& empregada.

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No próximo mês Albertina completará trinta anos na casa dos Consortes, criou os filhos deles, no pulso e no carinho. Não tinha hora para sair, mas tinha para chegar. D. Catarina vivia reclamando, quando não era de dores nas costas, do marido da ausência dos filhos e netos.

Apesar dos anos de convivências ainda passava a mão nos moveis e no chão odiava poeira... Albertina não aguentava mais. Porém tinha contas para pagar, marido bêbado e os netos que criava com sacrifício. E faltava tão pouco para se aposentar.

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Valquiria precisava de uma faxineira. Conheceu Isadora, gostou do serviço e a contratou a cinco anos. Isadora cumpria seu horário religiosamente, não faltava a menos que estivesse doente e mostrava a receita médica. Nada fazia além do combinado, detalhe, por um “extra” era um caso a ser pensado.

Quando a razão estava a seu lado batia boca, o patrão reclamava da ruga na bainha da calça, “Tá ruim ?Ele que passe.”

Valquiria nunca se exasperou, trazia tudo na ponta do lápis assessorada pelo Sindicato das Domésticas desde que a contratou. Morria de medo de um processo.

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Zé Roberto estacou com a cena matinal, Deise saindo da cozinha toda amassada, servindo o café da manhã. Foi advertido com o olhar “ deixasse os comentários para a hora do almoço.” Sentou-se mudo, a expressão de espanto fora substituída pelo pavor. No jornal primeira pagina “GREVE DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS”

O absurdo, Ana Liria, sua empregada encabeçando o holocausto. O mundo acabou balbuciou estarrecido. Deise segurou o jornal estendido para ela e leu em voz “alta “ só queremos nossos direitos, estes caducando no sindicato.”.

-- Cadê o telefone, Deise ? – deu um pulo da cadeira.

-- Na sala, né, Zé Roberto... –disse sacudindo a cabeça pensando, até para isso precisa da gente.

-- Oi Zé Roberto! Aconteceu alguma coisa? Viste-me no jornal? Já sei, não encontrastes o terno para a reunião? No Closet, com as meias, sapatos e a gravata separei tudo. Prefiro a gravata cinza. Pergunta para a Deise... Ahh! Oito e quinze é a reunião no colégio da Julinha. As dez e quarenta e cinco, dentista do Betinho, as cinco e trinta vai o rapaz consertar a máquina de lavar... Diz pra ela não esquecer deixei tudo anotado na geladeira... Hããã... Vou desligar... Avisa a Deise que marquei cabelereiro para as sete e trinta... O Pietro ficou de ligar dando noticias sobre o intercâmbio. Diz que mandei beijos...

-- Que palhaçada é essa de greve, mulher... – quando sobrou tempo perguntou, mas não obteve resposta. Ela estava empolgada com a quantidade de companheiras aderindo à greve.

Ouviu algumas falando em piquetes nas portas das patroas com pau de macarrão e tabua de carne... Tinha de impedir não queria nenhum ato agressivo.

A noticia se espalhou mulheres interromperam as rodovias, estradas, ruas e vielas, estenderam um varal de roupas brancas numa calçada perto de uma avenida movimentada. A ideia era uma movimentação pacifica, mas tomou proporções enormes. Zé Roberto desligou e ligou de novo – Ana, tu lavaste as toalhas eu e a Deise não achamos nenhuma. —caminhava de um lado a outro impaciente.

- Gente não vamos arredar o pé daqui, sem antes falar com o prefeito—celular no ouvido – estão na gaveta no armário do banheiro. – e gritava com as outras—DOMÉSTICAS UNIDA JAMAIS SERÃO VENCIDAS... –punho fechado dando muros no ar. – Diz a Deise para descongelar o frango no micro-ondas, não no fogão... A Julinha ensina como se faz... —microfone na outra mão. – TEMOS NOSSOS DIREITOS, FUNDO DE GARANTIA, PISO SALARIAL, SEGURO DESEMPREGO... Zé Roberto?

-- Volta pra casa, Ana! Isso aqui esta um verdadeiro caos. – Deise choramingou com o fone colado no ouvido com o marido.

-- COMPANHEIRAS NADA DE ESMORECER DIANTE DE PROMESSAS EVASIVAS... – apertava o celular no ombro e ouvido – estamos tentando negociar, Deise. Caso tudo saia a contento, volto amanhã... espera, espera, o vice vai se pronunciar... vou desligar, vou desligar... – e saiu correndo sem ouvi-los resmungando que não perderia o emprego por conta daquela loucura.

Albertina ao lado das outras se sentia renovada. Só queria ver a cara da patroa quando a visse “reivindicando” seus direitos, palavra bonita, pensava repetindo em voz baixa. Ela analfabeta, agora entendia um pouco, tinha direitos trabalhistas até uma “carga horária,” que chique! D. “Catarina, dizia-se justa, dava uma liberdade” assistida” as empregadas. Palavras do próprio filho dela, viajava trazia presentinhos, pagava bem, isso nada podiam dizer. Mas cobrava juros astronômicos, mesmo longe queria a todas trabalhando normalmente. Quando reclamavam cantava uma milonga, “ A gente não te trata bem ? Não tens liberdades na minha casa ? Comes o que bem queres e a qualquer hora. Nunca te negamos um favor. Estou mentindo ?”

DOMÉSTICAS UNIDAS JAMAIS SERÃO VENCIDAS... Gritava de braços dados com as outras. Sem culpa estava fazendo algo para si mesma...

Isadora sentiu um puxão delicado no braço. Caiu na risada adivinhando sem olhar de quem se tratava. – Aí, Val! Mas até aqui tu vens choramingar? – a patroa constrangida balbuciou desviando das pessoas argumentando baixinho.

--- Mas que desproposito é esse, Isa? Nunca tivestes problemas lá em casa.

--- Não se trata disso, Val! Não posso abandonar as companheiras. É o nosso momento, respeita, por favor. Amanhã estarei de volta. Aproveita e almoça fora com o Lazaro, a noite um jantar caprichado. Quem sabe não encomendam um herdeiro. --- cochichou no ouvido da outra que virou um pimentão olhando encabulada para os lados. --- Daí ele larga do meu pé... ---- e saiu dando risadas depois de piscar o olho, juntando-se as outras. DOMESTICAS UNIDA JAMAIS SERÃO VENCIDAS...

A cidade parou.

As diaristas renderam-se a passeata que repercutiu em outras localidades. Teve panelaço, piquetes das frigideiras, das vassouras as babás com as fraldas descartáveis, espanadores.

E numa tentativa desesperadas de serem ouvidas pelos prefeitos das cidades, lavaram a calçada da prefeitura com agua sanitária para clarear as ideias dos governantes.

RÔCRÔNISTA
Enviado por RÔCRÔNISTA em 04/10/2012
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