Flora, Florinda, Florisbela
 
Primeiro chegou Flora, depois Florinda e, por último, Florisbela. Uma a cada dez minutos. Parto de cesariana. Trigêmeas univitelinas. Caso raro.
 
Com elas a família dobrou de tamanho. Eram três. O pai, a mãe e o gurizinho. Agora, seis.
 
Prematuras, primeiro UTI. Com mais peso e livres de perigo foram para a casa. Três berços brancos no quarto rosa. Os ursinhos de pelúcia, um de cada cor. Pulseirinhas com o nome nos bracinhos nas mesmas cores dos bichinhos, para evitar trocas. Para que Florinda não virasse Flora e Flora Florisbela. E Florisbela Florinda. Todo cuidado era pouco.
 
Trabalheira e atenção na hora das mamadas. Confusão e apreensão, mas muito zelo, ao mudar as fraldas. O cocô da Flora está amarelo. Mas da Florinda está preto. Florisbela fez cocô muito mole. Meu Deus, o que será isso? Não tinham que fazer cocô igual? Pode ser ilusão de ótica.
 
Quem chora mais ou chora menos? Uma chora curto. Outra tem o choro longo. A terceira quase não chora. Florinda riu antes das outras. Não foi a Flora? Mas agora riem ao mesmo tempo. Muito risonhas elas são.
 
Parecem gatinhas pela casa. Engatinha uma para cada lado. Às vezes convergem as três para a cristaleira. A porta não abre. Ah se abrisse...
 
Pouco se locomoveram de quatro ou arrastando o bumbum. Tinham pressa. Trataram de andar muito cedo. Uma incentivando a outra. Começando a falar, foi um Deus nos acuda. Como falam estas meninas!
 
Visitas ao pediatra juntas, somente na revisão de praxe. Tinham saúde, mas se pegavam um resfriadinho besta, era uma de cada vez. Pobre mamãe, três vezes no médico em uma única semana. Por que não adoeciam as três num só dia? Ou por que adoeciam? E tome gotinhas com cara feia varando um mês inteiro.
 
Uma festa o primeiro dia na escolinha. Estavam embaladas as trigêmeas. Na escola, curiosidade e mais confusão. Quem era uma, quem era outra? Os coleguinhas não entendiam nada. De uniforme, mais iguais ficavam. Fitinhas no cabelo, cada uma com sua cor. Facilitava a vida da tia.
 
Foram se acostumando. Em todos os lugares, em todas as séries e em todas as festas tinham que explicar.
 
- Flora é ela, eu sou Florinda. A outra é Florisbela. Não aprendeu ainda?

As três nas aulas de balé. Mas apenas Florinda seguiu em frente com a dança. Flora tinha paixão por música. Foi aprender violino. Logo entrou para a sinfônica juvenil da cidade. Florisbela desde cedo demonstrava intimidade com os traços. Desenhava muito bem. Foi estudar pintura na escola de belas artes. Nunca mais parou de pintar flores e paisagens.
 
Nos aniversários tinha gente que reclamava.
 
- A festa é uma só, mas presentes são três.
 
A valsa dos quinze anos. Papai dança com as três? Claro, mas uma de cada vez. Ordem alfabética? Não dava, todas eram flor. Então, pela ordem que vieram à luz. Enquanto o pai dançava com Flora, Florinda e Florisbela com os padrinhos. O padrinho da Flora esperava. A Valsa do Imperador seguia. O pai entregava Flora para o padrinho que estava ansioso na espera, e tomava nos braços Florinda. O padrinho de Florinda ia para a madrinha. Finalmente Florisbela, o padrinho também tirou a madrinha, mas a dela.
 
Mudou a valsa. O irmão tomou a Flora como num Conto dos Bosques de Viena. O avô materno entrou na dança. Começou com Flora. O irmão foi para Florinda, depois para Florisbela. A vez do avô paterno, tudo na mesma ordem começando de novo.
 
Na terceira valsa todo mundo na pista, aí quase virou bagunça. O pai com a mãe, cada avô com sua patroa, as avós. O irmão com a namorada. E as meninas? Ora, cada uma com seu parzinho, os primos mais velhos, navegando no Danúbio Azul. Engraçados os frangotes de terno e gravata. Gel nos cabelos. Desajeitados no início, depois acertaram os passos. Do jeito que aprenderam nos ensaios.
 
Estudiosas que só. As três na universidade. Flora e Florisbela, medicina. Florinda preferiu odontologia. Brincava que deixaria todo mundo de boca aberta.
 
De boca escancarada ficava a rapaziada. Três russas lindas de cabelos castanhos claros. Olhos eslavos azuis iluminando o mundo. Sorrisos largos e francos. Moças simpáticas. Três flores, as mais belas de um campo de girassóis.
 
Florisbela um dia conheceu Mauri. Encontro rápido no shopping. Até outro dia. Prazer. Semana seguinte ela o viu de novo. Ele nem deu bola. Ficou intrigada. Ontem me paquera, agora não quer nada. Resolveu tirar a limpo.
 
- Oi, Mauri.
 
- Não sou o Mauri, sou o Mauro.
 
- Desculpe, muito parecido.
 
- Somos gêmeos.
 
Na praça de alimentação, Mauri viu Florisbela. Foi contente ter com ela.
 
 - Oi, Florisbela.
 
- Sou a Florinda, não a Florisbela.
 
- Desculpe, errei o nome.
 
- Não. Errou de pessoa. Florisbela é minha irmã.
 
- Muito parecidas...
 
- Irmãs gêmeas.
 
- Também sou gêmeo...
 
- Coincidência!
 
- Somos três. Univitelinos. Focinho de um, cara dos outros. Mauro, Mauri e Maurício, pela ordem.
 
- Não é possível! Também somos três. Flora, Florinda e Florisbela.
 
- Que tal um lanche os seis? Vai ser legal.
 
- Pode ser.

- Então domingo, aqui mesmo. Mesma hora de hoje.
 
No domingo reuniram-se os seis na praça de alimentação lotada do shopping center. Fato inusitado, acontecimento único. Atração da tarde. Gente que tirava foto com o celular. Não se continha e vinha conversar. Uma equipe de televisão que fazia uma reportagem mudou a pauta. Saíram nos telejornais de segunda-feira. Nos três regionais. Na terça, em rede nacional.
 
Incrível como na mistura de iguais conseguiram se acertar. Rapidinho, aprenderam quem era quem, sem precisar apelar para o artifício das roupas diferentes como sinal. Olho no rosto e pronto. Então entregaram os corações. Eles a elas, elas a eles. Engataram namoro. Flora com Maurício, Florinda com Mauro e Florisbela com Mauri. Por que não Flora com Mauro, Florinda com Mauri e Florisbela com Maurício? Não tinham as meninas a mesma cara e os meninos também? Que diferença, então, faria qualquer combinação de pares?
 
O amor é assim. Vale menos o invólucro do que o espírito. O corpo físico funciona como um mero facilitador da aproximação. A atração para que as almas se encontrem. Mas no fundo são elas que amam, se amor de fato houver. Em razão disso o sexteto de gêmeos encontrou-se para o amor, segundo aquela formação dos pares e não uma diversa. São os olhos que nos olhos do outro encontram o espírito do outro. As mãos que, entrelaçadas, são afagos da alma. Os lábios que, quando se tocam, nada mais são que colagens de auras enamoradas. Um beijo de espíritos.
 
O namoro coletivo progrediu. Virou coisa séria. Não se largavam mais. Quando saiam os seis, todo mundo se virava para ver. Foram parar num programa famoso de entrevistas na televisão. Para o entrevistador gordo, foi um prato cheio. Audiência estourando na madrugada.
 
Os meninos, mais velhos, formaram-se antes. Quando as meninas graduaram-se também, marcaram casamento.
 
As tias velhas reclamaram como sempre.
 
- Festa única. Três presentes.
 
- Console-se, o gasto com roupa e arrumação também será um só.
 
Não foi possível o pai conduzir as três ao altar. O pessoal do cerimonial achou complicado e chato ele ir e voltar. Então as três desfilaram sem par. Uma atrás da outra, pela ordem de nascimento, pisando com passos lentos o branco tapete ladeado por flores-do-campo. Na frente, as três daminhas de honra.
 
No altar o pai recebia uma a uma, beijava-lhe a face e entregava para o noivo nervoso e emocionado. Foi um bom arranjo.
 
O padre estava exultante. Fato inédito na carreira, justo no ano do seu jubileu sacerdotal. Prestou bastante atenção para não trocar os nomes dos casais. Leu com cuidado extremo para não abençoar errado e fazer as perguntas certas.
 
- Mauro, Mauri e Maurício, aceitam como suas respectivas esposas Florinda, Florisbela e Flora?
 
Um uníssono sim.
 
- Flora, Florinda e Florisbela, aceitam como seus respectivos maridos Maurício, Mauro e Mauri?
 
Outro uníssono sim.
 
Na festa tudo do bom e do melhor no clube mais caro da cidade. As moças casadouras, novinhas ou encalhadas, felizes com tripla chance de pegar um buquê de noiva. Três jogados ao mesmo tempo.
 
- Desta vez eu desencalho - sonhou a tia mais nova e solteirona.
 
Mas não deu. Nem com três no ar ela conseguiu. Que sina! Remédio? Resignar-se e esperar pelos sobrinhos netos. Continuar desempenhando bem o seu papel. De tia bem humorada e prestativa.
 
Cada casal escolheu um destino diferente para a viagem de lua-de-mel. Como estavam entrando em outra etapa das suas vidas, decidiram que seria melhor um pouco de privacidade. Melhor começarem naquele momento. A hora da despedida não foi fácil. Misto de alegria e tristeza. Lágrimas de emoção. Abraços apertados e demorados.
 
A partir dali, destinos diferentes. Novas famílias nascendo. Quantos filhos teriam? A herança genética favoreceria a geração de novos gêmeos?
 
Flora com Maurício, Florinda com Mauro e Florisbela com Mauri. Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Para sempre o encanto e alegria de Flora, Florinda e Florisbela. 

 
***
 
N. do A. – Na ilustração, cena do desenho animado As Trigêmeas, baseado na obra da escritora e ilustradora catalã Roser Capdevila, Les Tres Bessone.

 
João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 18/09/2012
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