O colar e a sombra

O COLAR E A SOMBRA

Era um colar bonito, mas nem chamava tanto a atenção. Estaria mais para um cordão de ouro dourado e branco, delicado fio que reluzia com delicadeza e combinava com o seu colo, foi-lhe dado de presente por alguém que a amou, numa tarde de sol, quando ela chorou emocionada. E o guardou durante precisos vinte e um anos alegrando-se em pensar deixá-lo aos descendentes como parca herança, junto com suas poucas jóias, talvez que de alguma forma se lembrassem dela e lhe fizessem uma oração, ou os jovens que não a conheceram perguntassem como fora, e quando lhes explicassem que fora justa, sua alma seria regada, eis que quando falam bem dos mortos, os anjos regam suas almas com jasmins e Deus lhes acrescenta pequenas pétalas de paz. Algumas vezes, o colar saiu da caixa bonita onde ficava guardado e foi enfeitar seu pescoço ainda jovem, outras, ele conversava com seus amigos, poucos, um relógio de prata e brilhantes, taciturno, um anel de turmalina muito esperançoso e um fio com pérolas bastante ansiosas e constantemente colocadas fora da caixa pois sofriam de síndrome do pânico. Eram poucas as jóias de valor, misturadas às bijuterias que falavam sem parar cujo brilho ardia os olhos. Mas, quando o fio era colocado no pescoço, irradiava um fulgor tão delicado que as outras jóias e bijuterias suspiravam com genuína afeição.

Não se sabe se foi por inveja ou raiva, ressentimento surdo, desses que encravam no coração como cal endurecida, ou displicência irresponsável. Fato é, que foi emprestado sem maiores cuidados e dito como perdido. No principio o desgosto, depois a raiva, depois o aturdimento, o não acreditar, o horror.

E a dona do colar foi tachada de boba e ingênua. Alguns levantaram as sobrancelhas, pasmos, outros menearam a cabeça com desdém por sua estupidez, não se empresta uma jóia cara assim, você deveria ter dito não, outros ainda, por conveniência ou desapego, nem quiseram ouvir e se calaram contrafeitos e irritados num silêncio venal. Por fim, nem mesmo a cobrança do valor da jóia lhe trouxe conforto ou alegria, pois, como cobrar o amor de quem lhe dera o colar, como cobrar os anos que eles representaram em sua vida? Calou-se ferida e tentou esquecer. E o cordão de ouro tão delicado, não se sabe onde foi parar, talvez num colo frio e ossudo, ou num colo ereto e meio oferecido, num colo recatado e ressentido pelos anos, ou, quem sabe, num lugar escuro, ali colocado pelo desamor e ressentimento de um subconsciente mal-cheiroso. Vez em quando, chama por aquela que o queria bem e reluz palidamente na escuridão do mal.

Vosmecê
Enviado por Vosmecê em 04/09/2012
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