VISÃO DA MINHA CIDADE

Eu a tenho, é clara! Impregnada em minha mente.
Tão impregnada quanto dinâmica, pois às vezes posso tê-la como tela, resultante dos mais nobres pincéis, outras como rara peça, fruto de respeitados cinzéis, ainda como rica moldura da modesta casa onde nasci ou, ao natural, tão pequena, simples e acolhedora como realmente o é.

Mas a visão da minha cidade é, acima de tudo, um tapete mágico que, movido pela saudade, transporta-me para além-mares e fronteiras, num devaneio de cirandas com amigas de infância, bonecas de pano, deveres de escola, labores da casa e primeiro beijo. Um enorme tapete voador que, além de mim, carrega a roça onde trabalhei, a horta que me fez forte e o quintal onde brinquei. O cinema que me divertiu, a venda das "balas" que não matavam e a igreja que me intimidou. O "Grupo Escolar" que me esclareceu, o baile que me excitou, o pomar de todos os frutos - menos o proibido - o poço da água que nunca matou minha sede de aventuras, também a estação do trem que me jogou no mundo e, bem no centro da cidade, a casinha de madeira em que nasci e onde, por muitos anos, alimentei sonhos inocentes e maravilhosos e me encantei com a beleza e a força da natureza ao som da chuva no teto de zinco.

E a magia do tapete voador leva-nos todos - família, amigos, colegas, amores - a um lindo passeio sem horários nem itinerários, com doces voltas à meninice ou ousados saltos nos sonhos a realizar, reconfortando meu espírito enquanto eu, displicentemente ao longo da viagem, deixo cair do tapete os males e mágoas do coração, permitindo que se inunde só de amor.
E lá vamos nós, "céu de brigadeiro", mar aberto, montanhas e vales, a passear...

Segundos após, desfeita a magia e de volta ao turbilhão do quotidiano, ajeito os cabelos que o vento desalinhou e, refeita, passo a consumir as energias com que fui brindada durante o voo.

Dia virá, porém, quando Deus achar que aqui já cumpri minha missão, não mais voltarei. Em última viagem, este mesmo cortejo levar-me-á a um mundo maravilhoso, ao encontro de entes queridos que me precederam.
Será talvez difícil a viagem e chegarei muito cansada, mas terei a alegria de meu pai pelo reencontro, o carinho de minha mãe alisando meus cabelos e o grande amor no verde olhar de meu filho, os quais, há pouco tempo e muita saudade partiram da minha cidade.


 
(Fotos:- Na primeira, "jasmim dos Açores" e nessa, "manacá de jardim", ambas agradavelmente perfumadíssimas. 
Eu as escolhi por simbolizarem muito bem, pelo tamanho e simplicidade, a cidade que Deus escolheu para o meu natal, talvez só para que eu também fosse simples como aprendi a ser.) 

 
 
DTL Gonçalves
Enviado por DTL Gonçalves em 13/08/2012
Reeditado em 12/01/2023
Código do texto: T3827976
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