131 – A LUZ DOS OLHOS DELES...

Em nossa casa sempre aparece um vendedor de bilhetes da loteria federal e ele é residente na cidade de Ituverava-sp, mais conhecido como Chico da loteria, e é completamente cego, mesmo assim vai pela vida tateando na sua escuridão oferecendo a sorte grande, das vezes aparece conduzido por um de seus filhos ou por alguém de sua confiança. Certo dia ele chegou, adentrou, sentou, sorveu um café bem quentinho, comeu alguns biscoitos, gosta mesmo é de contar causos e acontecidos, mas hoje pouco falou:

- Na próxima visita eu vou trazer a minha esposa, ela deseja muito conhecer o senhor!

Pouco proseou, recebeu o dinheiro do bilhete da loteria, desejou-me boa sorte e muita saúde, partiu tateando agora na luz dos sonhos seus.

Por algum tempo fiquei pensando na mulher do cego, eu a imaginei das mais variadas maneiras, tentei adivinhar o seu comportamento, se era digna, se cuidava do problemático marido com carinho, se trabalhava com afinco para ajudá-lo a criar os seus dois filhos, enfim deduzi que ela teria que possuir uma personalidade muito forte para suportar tamanha carga das responsabilidades que na certa repousavam sobre os seus ombros.

O tempo passou e varreu dos meus pensamentos o Cego vendedor de bilhetes e a sua família.

Depois de algumas semanas anunciaram que no portão da nossa casa estavam o Cego, a sua esposa e um filho, eu que estava acomodado em uma cadeira ao lado da mesa de jantar lá permaneci aguardando a chegada de tão aguardada visita.

E vi, e o que vi? Um rapazote guiando o cego, que guiava a esposa e para a minha surpresa ela é também completamente cega, sorridentes, espraiando a luz de suas almas adentraram pela sala iluminando a minha escuridão, e neles vi e senti aquela força e aquela fé que existe naquelas pessoas em que o destino submete a duras provações e privações, eles se agigantaram no meu sentir, das maravilhas que esta vida me reservou este acontecimento foi um dos mais deslumbrantes, tateando pelo sobressalto a que fui acometido me levantei para recebê-los.

O rapaz guia, o filho, estendia a mão do pai na minha direção cumprimentando, o mesmo fez com a mãe, recebi-os com a alegria da minha alma, logo logo o café com biscoitos já estavam sobre mesa, servidos, desembaraçados se puseram a relembrar de fatos ocorridos em suas vidas, falaram de suas alegrias e de suas tristezas, ele adiantou:

- Eu não queria trazê-la, mas tanto insistiu... Ela está com uns nódulos nos seios e o resultado dos exames não foram nada animadores, teremos que voltar mais vezes ao Hospital do Câncer da cidade de Barretos para um prolongado tratamento!

- Eu não sou de reclamar, nem de desanimar, nasci cega e agora tenho esta doença assustadora, mas agradeço por existir este hospital que nos dá um tratamento de primeira, tudo de graça, e eu tenho absoluta confiança que com a ajuda do Senhor Deus e dos médicos eu serei curada!

- E será! Exclamei.

Me senti infinitamente pequenino diante deles, observava atentamente todos os seus gestos, das vezes ela estendia a mão para tocá-lo, das vezes ele fazia o mesmo, aquele toque era uma confirmação de que o outro estava ali ao seu lado, imaginei, contavam causos, lembraram quando ela deu uma surra neste filho que tinha uma estranha mania de fugir da escola, lembraram de tantas coisas, sorriam, entristeciam, em suas feições todas as emoções nitidamente se estampavam, das vezes como se guiados pelo imponderável eles inclinavam as cabeças como que se pelo chão divisassem as cenas de fatos ocorridos e com as suas vozes embargadas relatavam os momentos difíceis e angustiantes por eles vivenciados, por fim se lembraram do casamento e foi neste momento que ela ternamente encostou seu rosto em seu peito e ele a abraçou com todo carinho e ternura, e eu não resisti:

- Chico! Da um beijo nela!

Ele a beijou, vi suas feições ruborizarem como que envergonhados estivessem, e estavam, após o beijo se apressaram em partir, e partiram contra a minha vontade que desejava tê-los por mais um tempo na minha companhia, se desculparam em outras visitas que teriam que fazer no cansativo ofício de vender bilhetes da loteria, partiram agradecendo e agradecidos...

Desnudado da minha arrogância claramente no oceano revolto da minha consciência amargos pensamentos assomavam:

- Das vezes eu reclamo tanto das dificuldades interpostas no meu caminho, mas afinal o que são as minhas dificuldades diante das dificuldades destes cegos?

Magnu Max Bomfim
Enviado por Magnu Max Bomfim em 13/07/2012
Reeditado em 17/07/2012
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