coração nobre

Acordei e segui religiosamente meu ritual quase religioso de todas as manhãs. Acordei às 6:00, coloquei o relógio para despertar as 6:05. “Só mais cinco minutos”, pensei. Pensei errado. O maldito, desgraçado, infeliz do relógio não despertou porra nenhuma e o que deveria ser apenas uns 5 minutos, transformou-se em uma hora.

Saí de casa mais do que atrasado. Desci a rua e peguei um ônibus mais do que lotado. Fui empurrando e acotovelando a tudo e a todos que via pelo meu caminho. Pena que não tinha nenhuma gostosa no ônibus, ela nem perceberia que foi sem querer querendo que meti a mão lá. O que encontrei, foi uma mulher que transcreverei abaixo o que a ouvi falar em relação ao meu ato sutil de sair empurrando todo mundo para chegar à porta traseira do ônibus.

“Rico é tutu mal etugatu. Meus fio num faz isso di impurrá os outro”.

Rico que mora no Méier e que vai de ônibus para a faculdade. Essa é boa.

Lógico que fiquei na minha, como a mulher estava acompanhada de uma prole de uns cinco moleques à sua volta, pensei que poderia levar a pior ali, entrando na porrada ou sendo assaltado mesmo.

Cheguei atrasado à faculdade, mas isso nem teve lá sua importância. O professor tinha faltado como sempre. É sempre assim lá: professor que falta, professor que chega atrasado, professor que diz que vai reprovar metade da turma etc, etc, etc.

Deixando essas peculiaridades de lado, até que meu dia foi um pouco emocionante. Por quê? Eu tava quase pegando a menina mais promíscua, desinibida e libidinosa (ou seja, safada mesmo) da minha faculdade. Aquela menina de quadris largos, pernas grossas, seios fartos! Você, caro leitor, pode pensar que isso não é nada de mais. Mas para mim é. Motivos?

1)Uma menina falar comigo que não seja para perguntar as horas ou pedir a matéria que o professor deu na aula passada já é um evento.

2)Eu estar “quase pegando” a menina mais promíscua, desinibida e libidinosa (ou seja, safada mesmo) da faculdade é um evento maior ainda.

3)Eu tenho namorada...

É, tenho namorada. Tal fato foi o que transformou o meu dia em algo bem emocionante. Mais emocionante do que atravessar a rua sem olhar para os lados, descer a escada rolante que sobe etc, etc, etc.

Para começar com qualquer coisa com a gostosa lá da faculdade, pensei que seria mais justo eu terminar tudo com a minha namorada. Para isso, saí da faculdade e fui até o curso em que ela faz pré-vestibular. Aí é que começa a confusão toda.

Eu estava decidido a acabar com tudo de uma vez. Cheguei à porta lá do curso e fiquei esperando ansiosa e medrosamente pela saída dela. Mas de repente, não mais que de repente, vejo um sujeito esbaforido correndo em minha direção segurando um bouquet de flores enorme. Confesso que fiquei assustado. Por que diabos um sujeito que nem aquele estava correndo em minha direção com um monte de flores? Lógico que não eram pra mim, ele não tinha jeito de viado.

Quando ele chegou à porta do curso, o mistério foi desfeito. Ele me pediu que eu segurasse o tal bouquet de flores (não sei como se escreve esse troço) pois estava com dor de barriga. Eu ia dizer que já estava de saída, mas nem deu tempo para tal. O infeliz desapareceu ao entrar no curso procurando um banheiro. Fazer o que né, acabei segurando.

Mas aí residiu o meu maior erro. Minha namorada saiu do curso no exato momento em que as flores estavam confortavelmente instaladas em minhas mãos, e ao me ver com elas, pensou que fosse algum presente. Putaquepariu, isso só acontece comigo. Eu estava decidido a terminar e ela pensando que fui até lá levar um presente.

Nem tentei contornar a situação, a coitadinha já veio me beijando e agarrando aquelas malditas flores. Só sei que a gente saiu dali de mãos dadas e ela portando um enorme sorriso no rosto. Caralho, eu só queria era terminar tudo e que cada um de nós seguisse de um lado da calçada.

Ela decidiu que deveríamos ir ao shopping e dar uma volta, tomar um sorvete, alguma coisa assim. Sei. “deveríamos ir ao shopping e dar uma volta, tomar um sorvete, alguma coisa assim” na verdade seria melhor traduzido por “Olha, vamos ao shopping, eu entro em um monte de lojas, experimento um monte de roupas, enquanto você me espera, ta?”.

Fiquei mudo a maior parte do tempo. Da minha boca só saía um “uhum” e seus variantes. E ainda fiquei me lembrando do sujeito com caganeira que me pediu que eu tomasse conta das flores. Sei lá, que ele as levasse para o banheiro, ou nem comprasse nada, afinal, hoje em dia as namoradas parecem preferir um celular que tira foto do que um monte de flores estúpidas que depois de alguns dias vão estar todas murchas. Bom, pelo menos a minha namorada não é assim, né, o que fez que nesses meses de namoro eu só tenha gastado dinheiro em coisas pequenas e baratas, tipo um cartão desses já prontos e afins.

Poxa, e lá no shopping? Fiquei feito um idiota esperando que ela vestisse tudo quanto era roupa que visse, enquanto eu ficava carregando aquele troço. Será que é pecado chamar um monte de flores de “troço”? Ah, “que se dane-se”, como diria aquela cidadã que me elevou à categoria de rico no ônibus.

Eu já estava até desistindo de terminar tudo com ela naquele dia. “Agora é tarde, Inês é morta”. Ia deixar para um outro dia mesmo. Um outro dia que eu não me deparasse com nenhum idiota sofrendo de desarranjo intestinal no meio da rua. Mas sabe o que aconteceu? “Tchan, Tchan, Tchan!”.

É, ficou meio gay falar isso no final do parágrafo anterior. Mas eu sou macho e indubitável, mesmo sendo torcedor do Fluminense. Voltemos ao assunto.

Com a trilha sonora de um dos ícones da música popular brasileira, ele, Latino, cuja mais recente canção estava tocando em uma loja de cd´s (“Renaaaaaaaaaaaaata, ingraaaaaaaaaaaaata”), vi um sujeito correr em minha direção com uma expressão de poucos amigos na cara (‘trocou o meu amor por uma ilusão!”). Era o que deixou as flores na minha mão lá na entrada do curso. Como ele me achou lá no shopping? Ele disse que me seguiu até lá, só não foi ao meu encontro antes porque teve vontade de ir ao banheiro de novo. O imbecil pensou que eu tivesse agido de má fé e roubados as tais flores que ele comprara para a avó. Só um minuto, pára tudo, o idiota comprou flores para a avó? Eu pensando que ele tinha comprado aquilo querendo comer alguém. Nada a ver.

A pobre velhinha estava acompanhando-o. Ela pelo menos não estava brava comigo, muito pelo contrário. Como todos os velhinhos que vemos todos os dias pelas ruas, ela estava com uma expressão feliz no rosto, como se estivesse prestes a puxar assunto com alguma pobre alma. Enquanto ele arrancava as flores de minhas mãos, a velhinha sorria simpaticamente e pedia que eu deixasse tudo para lá.

Putaquepariu. Como eu explicaria o sumiço das flores? Diria que tive uma dor de barriga, fui ao banheiro e as esqueci por lá? Diria que um enxame de abelhas voou em cima de mim e que as joguei para longe? Não, minha namorada não é tão idiota para pensar nisso. Ela só é idiota para pensar que pode ficar bêbada após comer uns bombons de licor.

Eis que ela saiu da loja em que estava importunando pobres vendedoras pedindo um monte de cosias sem levar nada e veio em minha direção já perguntando onde estavam aquelas malditas flores. Bom, o “malditas” é da minha parte. Como não sabia o que dizer dei um beijo bem demorado nela. Fiquei quase sufocado, já que a rinite entope o meu nariz diariamente. Quando terminei o beijo para poder respirar, ela veio de novo perguntando sobre as flores. Eis que tomei coragem e:

“Pirou minha cabeça coração, feito bola de sabão, me desmancho por você!”

Tava tocando essa porcaria de música na loja de cd´s agora. Salve Babado Novo e sua vocalista gostosa! Pode parecer estúpido, mas acho que essa foi a melhor decisão que já tomei em minha vida. Minha namorada não é lésbica, mas ama essa mulher. No lugar de terminar o meu namoro, me declarei de forma tão, tão... Bom, acho que agora posso falar “estúpida”. Por que diabos fiz isso? Terminar com a minha namorada apenas em busca de sexo com uma menina de corpo escultural, cujos aspectos físicos são um verdadeiro espetáculo, não seria algo muito legal. Tenho caráter! Como cheguei a essa decisão? Como diria o Latino, meu novo ídolo, “Quem planta sacanagem colhe solidão!”.