O ETERNO AMIGO MARCONI

O ETERNO AMIGO MARCONI

Meu mundo era o meu pião e o jogo de taco, sem falar nas bolinhas de gude!

Tinha 8 anos de idade! Um garoto comum que enxergava o mundo até à esquina de minha casa, na rua onde jogava bola de capotão com meus amigos. Tudo era motivo de alegria: - Chuva, Sol, festa Junina com aquela batata doce queimando na fogueira; bombinhas na festa de São João. Nada mais que isto e, ponto.

Na minha vida de garoto, contudo, me lembro que em 1959 indo na venda do seu Alcedino vi e ouvi muita gente empilhada umas debruçadas sobre as outras tentando escutar a voz de um homem falando: -

“Acaba de ser assassinado o Presidente dos Estados Unidos John Fitzgerald Kennedy!”

Mais que de pressa voltei para casa e falei a minha mãe:

- Mataram o Presidente dos Estados Unidos!

Ela sem surpresa respondeu: - Eu acabei de ouvir a notícia no Rádio.

Rádio, Rádio...fiquei pensando alguns instantes que o rádio era o destaque da nossa casa, sobre a cristaleira, mas nunca tinha dado atenção. Aquilo me intrigou e perguntei à minha mãe: - Mãe, para que serve o Rádio?

Naquele momento com muito orgulho ela me disse: - Meu filho essa bela caixa nos traz, todos os dias, as notícias do mundo! Hoje não há mais fronteiras, nem desinformação. Quem não houve o rádio está fora do mundo. Vive isolado da realidade!

Pensado com meus botões e no meu mundinho de garoto fui digerindo as palavras de minha mãe. A conclusão veio à tona!

Realmente eu vivia no meu mundo tão pequeno do tamanho da bolinha de gude. E mais nada! Fiquei vermelho e até com vergonha de saber que o mundo não se resumia na minha querida e pequena Vila Formosa. Logo, me veio à mente: “Tenho que conhecer esse mundo! Saber o seu tamanho! Além de mim quantos mais vivem nele?”

Naquele dia o meu mundo parou. Em meio a tantas interrogações cai na cama e dormi.

No dia seguinte, ao acordar, ouvi um som vindo da sala:

Lampião de gás, lampião de gás

Quanta saudade você me traz

Da sua luzinha verde azulada

Que iluminava minha janela,

Do almofadinha lá na calçada,

Palheta branca, calça apertada

Do bilboquê, do diabolô,

"Me dá foguinho", "vai no vizinho"

De pular corda, brincar de roda,

De Benjamim, Jagunço e Chiquinho

Lampião de gás, lampião de gás

Quanta saudade você me traz

Do bonde aberto, do carvoeiro

Do vassoureiro com seu pregão

Da vovozinha, muito branquinha,

Fazendo roscas, sequilhos e pão

Da garoinha fria, fininha,

Escorregando pela vidraça,

Do sabugueiro grande e cheiroso,

Lá do quintal da rua da Graça

Lampião de gás, lampião de gás

Quanta saudade você me traz

Da minha São Paulo, calma e serena,

Que era pequena, mas grande demais!

Agora cresceu, mas tudo morreu...

Lampião de gás que saudade me traz

Mais que depressa inquiri minha mãe: De quem é essa música e ela conta o quê? Do que fala? Mamãe, pacientemente explicou:

- É Inezita Barroso quem canta! Essa música fala da Saudade da São Paulo antiga em que a calma da cidade era iluminada pelo Lampião de gás. Naquela época as pessoas andavam de bonde, conversavam nas calçadas, passeavam nas Praças e as crianças brincavam muito mais do que hoje.

- Mãe, Na música fala de sequilhos. São aqueles que a vovó Anália faz pra gente.

- Sim, e as roscinhas também.

- E o bonde, é aquele que a senhora me leva para a escola?

- Sim meu filho, é o mesmo.

- Jagunço quem é?

- É o cachorro da revista em quadrinhos: a Tico-Tico.

- Nossa mãe! Quanta coisa o Rádio fala pra gente! Nem no Grupo Escolar Orville Derby a professora conta tantas histórias do mundo para nós.

Minha mãe dispersou sua conversa, cuidando da arrumação da cozinha e então:

- Mãe.

- Fala filho?

- Então quando o papai fica no banheiro fazendo a barba....

- Já sei o que está pensado. Seu pai não fica falando sozinho, ele fica escutando o Rádio! E às vezes faz algum comentário para que a gente ouça. É isso, vocês é que não prestam atenção?

Cabisbaixo respondi: - É!

- Mãe quero um! Quero um! Só pra mim.

- Um rádio? Disse minha mãe.

- Sim, um rádio para que eu possa ouvir o mundo o dia todo. E quero grande como esse da sala para que os meus colegas possam ver e ouvi-lo.

- Aos risos, minha mãe, terminou:- Vou mandar uma cartinha ao Papai Noel.

- Enfim chegou a tão esperada noite de 25 de dezembro de 1960. Quase nem dormi naquela noite esperando o Papai Noel com o meu Rádio. Passei a madrugada cantando Lampião de Gás, mas... cai no sono. De manhã, meus irmãos e eu, corremos para a árvore de Natal para abrirmos os presentes. Eu, particularmente estava procurando uma caixa GRANDE, mas, nada. Sobrou uma caixinha pequena onde estava escrito o meu nome. Meio triste fui tirando o papel e quando abri a caixa tinha....

Minha mãe interpelou: - Ai está o Rádio que você pediu!

- Mas mãe, desse tamanho?

- Sim meu filho. Você não queria levá-lo para todos os lugares? Então. esse rádio é a pilha e você pode carregá-lo.

- Na verdade não entendi nada, mas ao girar o botão o meu radinho começou a falar e daquele dia em diante se tornou o melhor amigo que conheci até hoje.São cinquenta e três anos passados e o radinho permanece ao lado de minha cama vinte e quatro horas no ar!

Hoje graças ao rádio tornei-me uma pessoa solidária e preocupada com soluções em prol da coletividade.

Ah sim! Já ia me esquecendo. Marconi é o nome do inventor do Rádio.

Zizzi

Vila Velha, 30 de junho de 2012 – ES.

Estêvão Zizzi
Enviado por Estêvão Zizzi em 30/06/2012
Reeditado em 30/06/2012
Código do texto: T3753160