Preleções de Adejante e detalhes sobre Manezin

E Adejante em conversa comigo no bar diz: "rapaz se você quiser ver um grande exemplo de figura humana e amante do trabalho, procure saber quem foi Benjamim Franklin! O tal Benjamim se meteu atá com o raio, foi um grande homem da América do norte, nasceu pobre mas se destacou demais, pode até ser que hoje exista alguém com a mesma garra pra fazer o que ele fez, não duvido de nada, porém te garanto que nenhum outro cidadão me impressionou tanto com os seus feitos e ditos como ele, depois de Jesus Cristo e São Francisco de Assis, que isso fique bem claro. Gosto muito de ler biografias, e já folheei tantas histórias de vultos do passado e não vi nada igual. Uns dizem que Da Vinci foi grande e eu não desdigo, mas este viveu há muito tempo não fez muita coisa prática para o tempo atual, teve foi muita idéia e andou pintando uns belos quados, mas dizem os historiadores que esse camarada tinha a triste mania de começar umas coisas e deixá-las pela metade, não aprecio isso, e tenho direito às minha preferencias não é? portanto sei que, trabalhar é definitivamente muito bom, falar? quem não é gago pode falar o que quiser, embora à moda papagaio, sem dizer muito com isso, digo por experiência, o negócio é ação. Rapaz, é a melhor maneira de se passar o tempo, porque quem se ocupa sofre menos e ganha o sustento, é mais digno e mais feliz, a gente se sente como quem está do lado da verdade, ora! você também trabalha e tem o seu jeito de definir isso! vamos tomar mais uma?"

É assim que são as falas que dele escuto. Adejante diz que nunca foi canalha, nem quando era garoto mas, admite que a faculdade da ironia nunca despregou de sua língua. Não é enfadonho, é arguto, se usa algumas ciladas em suas conversas, não é pra derrubar o interlocutor, é pra dar alguma força ao seu argumento. Contudo, conseguiu alguma notoriedade como bom profissional que foi. Gosta de bebericar uns aperitivos na medida e se se embebeda, pode ficar como os outros bêbados e usar de linguajar sórdido para descrever cenas escabrosas, é aí que sua fala assume formas chulas. É mais nesses momentos, que pode dar sopapos com as palavras na ironia interrogatória: e aí doutores? como é que é juiz? está tudo com manda a lei? ou a sua lei?! Não é gabola nem desordeiro, se comporta com certa dignidade mas se toma umas a mais, a língua fica afiada para a baixaria. Diz que foi obediente às leis das instituições, viu despautérios, coisas do arco da velha, revolução no meio do povo inflamado por política, linchamentos de assassino por parte da população revoltada devido a crimes hediondos, suicídios... Sofreu acidente e viu gente morrer na sua frente por ter sido atingido por um raio. Conta coisas que para umas pessoas daqui é pura mentira. Diz que nunca procurou prestígio, e que nunca desprezou amizades. Aprendeu com um tio dele que boa parte dos padres são como pajés que vivem amedrontando os fiés, e esse seu tio tinha sempre uma resposta prá os pregadores de arrependimento que era: "onde há prudência não há penitencia viu padre? Viu pastor? os senhores só sabem muito é falar, e olha que isso eu também sei além de dar duro na labuta... eu trabalho, pago minhas contas... se ao menos dissessem mais coisas práticas vá lá, mas essas pregações soam prá mim o mais das vezes ôcas! sai pra lá bando de sofista de uma figa! procurem o time de voces! e que o bom Deus se apiede dos donos da pseudo-fé e que teem medo das obras! passar bem e amém".

Adejante confessa que não se acha piegas nem piedoso, fuma pouco, bebe mais e isso ele explica, joga o jogo dos reis, que é como ele chama o xadrez, mas nunca aposta nada. Gosta de natação, seu corpo já não é tão lépido quanto a sua língua, é lhano com idosos e crianças, mas antes avalia se são dignos de sua delicadeza. Gosta de apelidar a alguns ridículos metidos a besta. Não é lá muito bom contador de piadas mas os casos que relata são mais engraçados do que certas piadas convencionais.

Seu maior interlocutor por aqui é o poeta Manezim, o mamute velho, de idéias parnasianas que costuma ler livros de literatos, e se tornou fã de Lima Barreto e parece que parou no tempo daquele sincero e sofrido escritor carioca. Confesso que vejo o poeta Manezim como uma espécie de profeta sem revolução, fora do tempo e de bem pouca razão mas, ele também me diverte... não tanto quanto o Adejante, claro. O barbudo viajado, é também um tremendo imitador de vozes de cantores, se o cantor é meio fanho se tem o erre muito pronunciado, tudo isso ele enfatiza e caricatura, faz cara e jeito à moda de grande palhaço. Essas duplas sertanejas de vozes gritantes se tornam ridículas no seu cômico arremedo. Agnaldo Timóteo sofre nas unhas da imitação dele quando ele sente o clima silencioso do bar, toma uma cana e canta pra todos escutarem trechos de velhas canções do mineiro polêmico: “ você jamais vai entender errêrrrrrrrrrrr... se algum dia à minha terra eu voltar rárrrrrrrrrr, quero encontrar rárrrrrrrrr as mesmas coisas que deixei êrêiiiiiiiiiiii ”, mamãe estou tão feliz porque voltei prá voce êrerrrrrrrrr... e a turma cai na gargalhada enquanto ele se esforça pra não rir trincando os lábios e seu tronco balançando como quem tem soluço abafado, e nisso fica avermelhado seu rosto de bem-humorado e receptivo, e todos gostam da sua presença.

Imita frases de políticos, sermões de padre e pregações de crentes, faz o jeitão metido a moralista quadrado de certos militares da reserva que conhece, imita o jeito deles falarem com aqueles trejeitos e afetações de quem é dono da moral, da verdade, da tradição, dos bons costumes... faz cara, careta voz e entonação que só por isso já me faz gargalhar. É um sátiro, um Voltaire moderno quando quer, mas não blasona! Ironiza todo tipo de notícia quando aparece algum salvador da Pátria e, me fala do tempo em que Sarnei queria que o povo fiscalizasse seu tabelamento de preços, quando um outro mandatário se dizia caçador de marajás, e aconselha a estes: vai fiscalizar e tabelar tua aposentadoria cabra velho! vai caçar um mais mentiroso do que tú, cabra metido a super-heroi de besta!

Disse-me que teve na juventude a vaidade que a idade pede, mas depois foi sentando os pés no chão e viu que tudo era pura ilusão de ótica. Se interessou por atividades práticas como vender alguma coisa e ganhar uns trocados. Depois passou a ler livros de tudo quanto é tipo: literatura brasileira, auto ajuda, religião, história , estudou música e filosofia básica, conhece bem o jogo de xadrez e endeusa alguns personagens da historia como igualmente detesta outros. Não desdenha de pessoas simples mas os pelintras e os metidos a besta ele os conduz a precipícios sempre que pode.

Hoje existe muito herói no cinema, nos jogos, nos bombeiros... Adejante já foi herói também, salvou uma vida, foi uma vítima de afogamento. Sua fama já corria de boca em boca bem antes de eu conhecê-lo. Por causa de suas diversas habilidades, contavam e recontavam a cena em que resolveu problemas de comunicação em plena praia dos gringos. É que no local havia uma porção de turistas nacionais e um sujeito de outro país começou a se desentender com um dos guias de buggi e ele, Adejante, que pela sua aparência parecia o mais matuto de todos no ambiente, resolveu o problema falando de sua mesa onde bebia sua cachaça mordendo uma pata de caranguejo. Em voz bem clara e em Inglês para todos do restaurante ouvirem foi falando o que tinha que dizer, tirando as dúvidas do estrangeiro e em seguida falando pro guia em português. para os interioranos presentes aquilo foi um espetáculo! coisa de cinema como dizem as pessoas daqui, essa sua proeza ainda hoje é recontada e dizem que ele além do inglês fala mais línguas do que o papa. O povo não é nada linguarudo pra inventar estórias! E foram muitos os outros casos em que no comentário das pessoas ressoavam sua fama.

O ato heróico foi o de que uma vez salvou uma pessoa de afogamento num rio. Doutra vez ensinou como se retirar um besouro de um ouvido de alguém, trincando os dentes. Faz massagens de do-in, sabe manejar ferramentas agrícolas, amansar burros, cavalos e adestrar cachorros, toca pandeiro e canta bem, gosta de rabiscar desenhos de tudo quanto é coisa e bicho, para pra ouvir grilos e sapos nas lagoas de inverno e sabe imitar o canto de alguns pássaros com assobios. Conhece a maré pelas observações da posição da lua no céu. Faz as pessoas com quem conversa observarem as mudanças do tempo, a chegada dos cajus, os ventos de agosto, o estio de final de ano, dizendo pras pessoas olharem pro mato seco das estradas e observa que aquelas plantas não estão mortas não, apenas com a cor esbranquiçada da caatinga no estio.

Quando foi auxiliar de caminhoneiro, se acidentou vindo de Pernambuco, mostra a cicatriz no braço. Foi garçom em São Paulo onde teve um caso com uma mulher de um cabeleireiro gay. Quando com vinte e poucos anos esteve em Santos transportando soja, viu o maior aglomerado de cabarés que jamais imaginou na vida, com as mulheres mais novas e das mais variadas regiões do país que se pode ver, por lá foi que bebeu uma bebida que tem nome de fogo paulista. Esteve no Rio de Janeiro numa época de carnaval e saiu acompanhando um bloco onde conheceu uma morena fogosa do subúrbio, diz que depois foi dormir no morro com ela "porque em carnaval vale tudo você sabe né, vamos tomar mais uma"?

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 21/06/2012
Reeditado em 02/09/2012
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