TUDO ACABADO

TUDO ACABADO!

Morar na favela para ele, não tinha a menor importância. Havia, é claro, determinados inconvenientes, como a vizinhança, certos moradores nada confiáveis, aquelas ruas estreitas, sujeira espalhada por todo canto, enfim, uma paisagem bem desoladora. Isso tudo não tirava, todavia, a satisfação de Josenildo de viver em seu recanto, sua casinha de alvenaria, na favela Tamarutaca. Muito bem cuidada, com todos os requisitos necessários para morar, e bem! Cozinha equipada com fogão de quatro bocas, geladeira “frost free”, ambos na cor metálica, armários onde ficavam as panelas, pratos, xícaras, copos e talheres. Piso de cerâmica, mesa com quatro cadeiras. O banheiro sempre bem limpo, todo azulejado, com pia de pedra, chuveiro elétrico com box. Sala com sofá, televisão tela plana de 32 polegadas, som, uma cristaleira e um pequeno bar. Um quarto com armário embutido, cama de casal. No criado mudo, um rádio relógio, e o porta-retrato com a foto de Berenice, sua noiva. Uma jovem de dezesseis anos, também moradora da favela, com a família.

Josenildo veio da Bahia bem jovem, indo morar com parentes em Mauá. Inteligente, cheio de vontade em vencer na vida, já com curso primário feito, não foi difícil arrumar um emprego no centro de Santo André, como auxiliar de escritório. À noite, matriculou-se numa escola pública, para completar seus estudos. Seu objetivo era cursar a faculdade de administração.

Berenice fazia o curso de aprendiz na CLASA, entidade mantida pelo Lions Club da cidade, prestando serviços na unidade Santo André do Laboratório Vanguard.

Os dois se conheceram no M’c Donalds da Oliveira Lima, numa hora de almoço. Logo se apaixonaram. Frequentando a favela onde Berenice vivia, e utilizando suas economias, Josenildo conseguiu comprar a casinha onde foi morar, ainda inacabada. Aos poucos foi providenciando o acabamento, deixando-a o brinco que era. Com vinte e um anos, era um moço sério, trabalhador, sempre progredindo no emprego.

Mesmo com a pouca idade, o casamento era ambição deles. Porque, devido às poucas chances de diversão, e outros momentos de lazer, não tinham outro tipo de passatempo, senão namorar. E, convenhamos, a favela não lhes oferecia grandes oportunidades de divertimento. Então, só lhes restava a vida em conjunto que o casamento proporcionaria. Não gostavam dos programas comuns aos jovens da idade deles, como as baladas, bailes funk, forrós e outros.

- Berenice, amanhã iremos ao cartório a fim de providenciar a papelada. Passo em sua casa ali pelas 10 horas. Não se esqueça da certidão de nascimento, e da identidade.

- Está bem, amor! Tenho que ver, também, a autorização do meu pai para casar! Sou “di menor”, disse sorrindo.

Assim, naquela noite, se despediram.

A favela Tamarutaca fica na beira de uma avenida muito movimentada, a Prestes Maia. O trânsito de veículos sempre muito grande. Duas mãos, divididas por um canteiro central. Na altura da favela, é uma via inclinada. A principal via de ligação entre a Avenida dos Estados, em Santo André, e a Via Anchieta. Devido a isso, o número de caminhões de grande porte que por ali passa é imenso.

Conforme combinaram, na manhã seguinte se encontraram, tomaram o ônibus em direção ao centro de Santo André, rumo ao cartório de registro civil.

Em pouco mais de uma hora já haviam cumprido o compromisso, e como se tratava do horário de almoço, resolveram comer algo na lanchonete existente na Praça do Carmo, do lado da Catedral. Aproveitaram para fazer planos após casados, dos filhos que iriam ter (não mais que dois, concordavam), de, com o tempo, sair da favela... Sonhos!... Sonhos!... Sonhos!

Felizes, retornaram para casa. Desceram do ônibus defronte a favela, do outro lado da avenida. Atravessaram com cuidado, até o canteiro divisório, aguardando o momento de cruzar a segunda pista.

Nesse exato instante, um caminhão vindo em direção a São Bernardo do Campo, na descida, em velocidade acima da permitida, ao passar por um obstáculo, solta uma roda traseira que, livre, sobe no canteiro, justamente onde o casal de jovens aguardava o momento de atravessar.

O choque foi fatal! Os dois corpos restaram estirados no asfalto!

Aristeu Fatal
Enviado por Aristeu Fatal em 06/02/2012
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