MEMÓRIAS DE INFÂNCIA

Quando viemos de Londrina, nos anos 50, fomos morar no Bairro Ahu, em Curitiba. Casa, de madeira, como a maioria das casas daquela época. O terreno ao lado da casa, um verdadeiro precipício, com um riozinho que deixava escorrer suas ainda límpidas águas, como se fosse num fundo de vale inexplorado.

A Rua São Sebastião, onde se localizava a nossa casa, revestida de saibro, com muito pó em dias secos e uma lamaceira nos dias de chuva. Os homens usavam galochas para protegerem seus calçados do barro.

Quando para lá nos mudamos o transporte coletivo realizado por “lotações”, foram substituídos, tempos depois (final da década de 50), por ônibus.

Eu tinha uma tara por ônibus e nos meus devaneios infantis dirigia aqueles coletivos com tremenda perícia e prazer. Embaixo de nossa casa “construí” um ônibus, com volante, marcha e até campainha. Na viga que sustentava o assoalho lia-se a frase “É proibido falar com o motorista”, eu, por acaso.

Ahu, um bairro classe média. A vizinhança composta pelas famílias Brusamolin, Bonato, Milek, Endler, Pegoraro, Schiavon, Burigo, Daros, e outras tantas de várias etnias e classes sociais.

Naquele tempo não havia videogame, nem microcomputador. Televisão só na casa de alguém mais abastado. Entretanto, havia brincadeiras de “esconde-esconde”, “polícia e ladrão”, andar de bicicleta e outras tantas. Aliás, ter uma bicicleta, o sonho de todo menino daquela época.

Acontecia, com muita frequência brigas entre a gurizada e neste aspecto é mistér dizer que eu tinha o título nada honroso de campeão absoluto na quantidade de brigas. Logo ganhei o apelido de “Galinho” e cada vez que alguém assim me chamava acontecia nova confusão, confirmando, cada vez mais, a pertinência do apelido.

Uma das poucas vezes que eu apanhei do "véio" Zuza, meu pai, foi quando briguei com dois meninos numa só vez. Um se chamava Floriano e o irmão dele eu não lembro o nome. Aconteceu mais ou menos assim: Vinha eu pela rua quando me deparei com os dois irmãos e por motivo de somenos importância, como diria aquele repórter policial, atracamo-nos num bate boca. Olhando para o chão vi uma lata de óleo amassada pelos automóveis que passavam. Não tive dúvidas; juntei a lata e senti que a mesma pesava algo em torno de uns 3 quilos e meio, pois estava impregnada de barro seco. Ao me verem sacar da perigosa arma os dois irmãos saíram em desabalada carreira rumo à Rua Guaratuba. Eu, correndo atrás, lancei a lata como se fosse um disco. Pá... Acertei em cheio na nuca do Floriano que desabou na poeira daquela via. Sacudi o pó e, nem muito lento para não parecer provocação nem muito rápido para não pensarem que era medo, fui saindo do local do crime rumo à minha residência. Meia hora depois, lá estava no portão de casa a mãe dos dois irmãos narrando os acontecimentos para meu pai. Levei umas merecidas cintadas como castigo.

Quando para lá nos mudamos fui estudar nas “Escolas Reunidas Ahu de Cima”, que embora o nome pomposo tratava-se de uma tapera bem em frente da Penitenciária do Ahu.

Havia um sujeito que era provocado pela gurizada, nem sei por qual motivo. Toda vez que ele passava a galera gritava: “Manequim...quim...quim... tem cavalo não tem capim”!!! O cabrinha burro que vos escreve, uma vez caiu na besteira de gritar o chavão para o sujeito. Se ele tinha capim eu não sei, mas a valeta onde ele me jogou tinha bastante, tanto é que quando me levantei poderiam me confundir com o incrível Hulk, não fosse pela diferença do porte físico.

Tinha também o Valírio que sempre andava com um postal da Real Aerovias com a foto de um avião, nas mãos. Um sujeito meio alienado, pacato até o momento que algum arteiro gritasse: “O avião da Real (Real Aerovias) não presta”. Aí o Valírio ficava furioso.

Badico, um andarilho que vivia pelas ruas do bairro, vivia da caridade alheia. Prestava pequenos serviços em troca de um prato de comida.

Lembro-me bem da "véia" Barbarina, residente da Rua Tomazina, que criava vacas nas ruas.

Com o passar do tempo o Ahu foi evoluindo e hoje é um belo bairro da zona norte da capital paranaense.

Na maioria dos meus sonhos ainda moro no Ahu, prova de que o bairro foi bastante importante na minha vida.

CLEOMAR GASPAR
Enviado por CLEOMAR GASPAR em 04/02/2012
Reeditado em 28/06/2023
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